PEDRO DINHEIRO
Liberato Póvoa
Um dia - eu era menino - apareceu lá em São José do Duro um forasteiro, até muito simpático e tratável, cabelos escorridos e tez clara, jeito de nordestino. Mas o modo de falar e de se vestir mostrava ser pessoa andada, com um verniz de instrução suficiente para se impor perante muita gente.
Nem lhe lembro a profissão, mas sua aparência excluía a de um braçal qualquer e como que afastava a hipótese de aventureirismo.
Chamava-se Pedro, só Pedro, embora sua postura de gente mais pra mais do que pra menos reclamasse um sobrenome qualquer.
As andanças pelas lonjuras deste Brasil ensinaram-lhe muita coisa, ficando famoso nas redondezas pela capacidade de prestidigitação, de fazer ilusionismos.
Num lugarejo modesto, onde jamais passou um mágico, os ilusionismos de Pedro, classificados de sofríveis pro entendedor, causaram sensação lá no Duro. Circos, propriamente ditos, não conhecíamos por lá, e os que apareceram foram uns cuja "companhia" era apenas o dono do circo (que fazia o indefectível palhaço) e sua mulher (trapezista), como o Circo do Carrapicho, ruim até dizer chega. Quando esses "circos" davam na inventiva de encenar uma peça qualquer para variar as palhaçadas apelativas, precisavam recrutar o pessoal da cidade como figurantes, em troca do ingresso (e vou ficando por aqui, para não passar vergonha nos outros, pois me lembro de figurantes que até compunham a Câmara dos Vereadores dali).
Mágico, mesmo, o único que aqui pintou foi Pedro, que pegou a fazer coisas estranhas: botava coisa pra sumir aqui e aparecer acolá, realizando truques simples, os quais, no entanto, cresciam nos olhos do povo, como um Houdini do sertão.
A bem da verdade, Pedro só fazia suas artimanhas ilusionistas para divertir quem quisesse, e nunca cobrou um tostão de seu ninguém. O nosso povinho crédulo dizia que no dia em que Pedro cobrasse pelo seu magnetismo quebrava a pauta, e perdia a força.
Numa de suas sessões de meia dúzia de curiosos, inventou de fazer papel virar dinheiro. Como, não sei. O certo é que ele "transformava" papel em notas de um cruzeiro (daqueles azuis, com o almirante Tamandaré), de dois (amarelas dum lado e azuladas do outro, com o duque de Caxias) e até as de cinqüenta, com a princesa Isabel, naquele tempo em que dinheiro valia e que um centenário de dez tões dava pra gente comprar quase toda a taba de pirulito de tia Palmira e a bandeja de doce de leite e cocada que dona Zefa vendia.
E o povo cresceu os olhos, crente que era dinheiro mesmo.
E como o truque do dinheiro calou mais fundo na impressão do povo, o homem, que não tinha sobrenome, ganhou um: passou a ser conhecido como Pedro Dinheiro.
Como tínhamos Pedro Pichuri, Pedro de Brito, Pedrinho Sapateiro, Pedro Pieca, Pedrinho Açougueiro, Pedro de Olímpio e até um Pedro do Meio (por ser Pedro e morar entre outros dois xarás), nada mais qualificante que um nome que caracterizasse sua habilidade: bastava que se falasse "Pedro Dinheiro", que todo mundo sabia.
Pedro Dinheiro era um camarada jovial, sem ser conversador; bom de papo, sem ser enfarento, e não sei de nenhum malfeito que ele tenha cometido para empurrá-lo pra nação dos chegantes, que sempre respiram a aventura e são danados pra dar o quinau nos outros.
O povo dali era muito hospitaleiro, abridor de porta pra qualquer andejo, caçador de amizades (hoje, tudo está mudado, e só os troncos antigos cultivam esse hábito. Gente de fora é desconfiada, e ali é o pau que há). E Pedro, não demorou muito, achou até casamento: casou-se com Nanoca, gente dos Aguiar, criada por Doralina: moça prendada e instruída nos quefazeres domésticos.
Quando fui embora enfrentar mundo, deixei Pedro Dinheiro trabalhando ali no Rio da Conceição, onde construiu patrimônio, ajudado pela disposição de Nanoca.
Ao retornar, fazendo uma viagem pra trás nos escaninhos da memória, reparei que Pedro Dinheiro também é um significativo retalho na colcha de nossa historiazinha particular. E fui indagar aqui e acolá para tentar pegar um paradeiro dele, quando minha mãe me contou que ele falecera há uns anos no Rio da Conceição, não sei de quê.
Se não contribuiu de outra forma para a nossa história, pois nem profissão lhe conhecia, foi, com certeza, o primeiro mágico que apareceu no sertão.