GRÃOS DE TRIGO
Dídimo Heleno Póvoa Aires*
01/05/2004
A matemática, ciência de grande importância em todos os ramos da atividade humana, é, também, a que mais calafrios provoca na espinha dorsal dos estudantes pelo mundo afora. Os números são universais, e qualquer povo, de qualquer parte, pode se comunicar através deles. Até mesmo os extraterrestres, como afirmam alguns cientistas, se realmente existirem, poderão entrar em contato conosco, através da matemática.
Esse conhecido “bicho-de-sete-cabeças” é magistralmente apresentado no famoso livro de Malba Tahan, O Homem Que Calculava, o qual foi tema de um artigo que escrevi para este Jornal, em 25 de junho de 1999, intitulado “Matemática com prazer”. Naquela oportunidade, mostrei o interessante cálculo dos camelos, em que o autor do citado livro conta como o personagem Beremiz Samir divide uma herança entre dois irmãos, que parecia impossível, e ainda é agraciado com um dos animais.
No livro Bilhões e Bilhões, que traz 19 artigos do astrônomo americano Carl Sagan, organizado por sua mulher, Ann Druyan, após a morte do cientista em 1996, mais uma vez pude perceber os mistérios que envolvem essa ciência. No artigo “O Tabuleiro de Xadrez Persa”, o autor utiliza-se de uma fábula para falar sobre a origem do conhecido jogo.
Conta-nos ele que um certo grão-vizir apresentou ao rei da Pérsia (atual Irã) o projeto do novo jogo, à época formado por um rei, por um grão-vizir (como não poderia deixar de ser), por alguns cavalos e peões. Ainda não existia a figura da rainha, que, hoje, substitui a de seu inventor. Na sua origem, o xadrez chamava-se shahmat, significando, na língua persa, “morte ao rei”.
Intriga-nos imaginar que o rei tenha ficado deslumbrado com um jogo que trazia no título o desejo de sua morte. Mas o fato é que tal invenção fez de seu inventor o homem mais admirado daqueles tempos. Por tudo isso, o rei resolveu premiar o grão-vizir. Estava disposto a recompensá-lo com qualquer coisa, com qualquer tesouro. Mas o humilde vizir escolheu como prêmio apenas grãos de trigo, que deveriam ser colocados nos sessenta e quatro quadrados do tabuleiro de xadrez, da seguinte forma: no primeiro, um grão; no segundo, dois grãos; no terceiro, quatro grãos; no quarto, oito grãos; no quinto, dezesseis grãos; no sexto, trinta e dois grãos, e assim progressivamente, num processo que se chama “aumento exponencial”.
O rei ficou inconformado com tão ínfimo prêmio e insistiu para que o grão-vizir aceitasse coisa melhor. Diante de sua teimosia, o rei assentiu em dar-lhe os grãos, determinando que fossem feitos os cálculos. Surpresa maior teve o soberano ao descobrir que, se dispostos em progressão geométrica até o 64º quadrado do tabuleiro, os grãos de trigo chegariam à astronômica quantia de quase 18,5 quintilhões. Para se ter uma idéia, esse número equivale, hoje, a mais ou menos 150 anos da produção de trigo mundial. Além disso, imaginando que cada grão de trigo tivesse o tamanho de um milímetro, todos os grãos juntos pesariam cerca de 75 bilhões de toneladas métricas. Diante disso, é fácil imaginar que o rei deve ter preferido pagar em ouro o seu prêmio. Ou, como escreve Sagan, deve ter inventado um jogo no qual o objetivo maior seria a morte do grão-vizir.
A aritmética (ramo da matemática, que estuda os números), reserva-nos belas surpresas. Não é à toa que as distâncias colossais do universo só são mensuráveis através do seu aprofundado estudo. Infelizmente muitos alunos saem da escola – entre os quais me incluo – com uma certa “repugnância” a essa disciplina. Talvez fosse o caso de os professores adotarem, como método de ensino, a leitura de Malba Tahan e livros de cientistas do quilate de Carl Sagan, antes de adentrar a matéria propriamente dita. Se nos tempos de escola eu tivesse sido assim orientado, não teria reservado à matemática o meu olhar de pessimismo e de desinteresse, perdido no desdém profundo, que somente a ignorância é capaz de proporcionar.
*Dídimo
Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.