ESTRANGEIRISMO INCOERENTE

 

Dídimo Heleno Póvoa Aires

27/07/2004

 

 

             Dias atrás, adentrou à minha sala de trabalho o desembargador Luiz Gadotti, de quem sou assessor, mostrando-se indignado com o uso excessivo de palavras estrangeiras em eventos jurídicos, argumentando que tal prática, no seu entender, não se mostrava ao melhor gosto do art. 13, da Constituição Federal. Diante disso, percebi que o tema merecia uma abordagem mais abrangente, em face de sua inquestionável realidade fática.  

 

Com a globalização, o mundo tornou-se praticamente sem fronteiras, e as tradições culturais se misturaram. Hoje, é possível observar jovens japoneses e tailandeses com hábitos tipicamente ocidentais. Em razão dessa diversidade de costumes, transmitida pelo alto poder de comunicação entre as pessoas, principalmente depois do advento da internet, a língua foi a que mais influências sofreu.

 

Por conta da supremacia econômica dos norte-americanos, a língua inglesa tomou conta do vocabulário de todas as classes e de quase todos os povos. Até certo ponto, é natural que isso aconteça, pois na história da humanidade há registros de que as nações dominantes, do ponto de vista econômico, também exerceram grandes transformações culturais em sua época, influenciando comportamentos e alterando, inclusive, o modo de falar das pessoas, com a inserção de neologismos e estrangeirismos nas línguas nacionais.

 

Na língua portuguesa, existem muitas palavras que foram tão aceitas em nosso meio, que acabaram inseridas na linguagem popular. Para exemplificar, basta citar “vitrô”, “bidê” e “sutiã”, originariamente francesas. Ou as africanas “vatapá”, “mungunzá” e “candomblé”. Não se quer, obviamente, abolir o estrangeirismo, mesmo porque tal pretensão vai de encontro à cultura de um povo, além do que, seria algo simplesmente impossível, pois, como já se disse, a globalização abriu as fronteiras do mundo, trazendo com ela a diversificação de costumes e tradições.

 

Por outro lado, não se pode perder de vista o limite do razoável. A língua portuguesa não pode ser assim tão menosprezada, principalmente quando se sabe que há em nosso idioma palavras equiparadas e que podem ser perfeitamente utilizadas. É possível notar, em alguns casos, um certo exagero na utilização do estrangeirismo.

 

E tais excessos acontecem, ironicamente, em muitos congressos e seminários jurídicos. O artigo 13, da Constituição Federal, determina que a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil. Ora, numa reunião de juristas não se poderia permitir a utilização abusiva de palavras alienígenas, principalmente inglesas. Tudo começa na organização do próprio evento, quando se distribuem fouders, ao invés de panfletos ou cartazes. Nos intervalos, os trabalhos são interrompidos para um rápido coffee break, e não para uma leve refeição. Ao findar o encontro, inevitavelmente haverá um cocktail, em vez de uma boa confraternização. 

 

Não condeno, em absoluto, o uso do idioma estrangeiro em algumas situações, mesmo porque, muitas vezes o palestrante, na mira de elucidar o tema, necessite, na busca da profundeza da matéria, recorrer ao direito comparado, didática que não conceituo como estrangeirismo, que aqui ouso censurar. 

 

Assim é que,  por respeito à Carta Magna, os que labutam com a ciência jurídica poderiam contribuir de forma positiva, evitando a utilização abusiva de palavras estrangeiras em eventos dessa natureza, a começar de sua divulgação.

 

Ademais, aos organizadores desses seminários e congressos, bem como aos juristas que deles participam, não é dado o desconhecimento ou o desuso do enunciado no art. 13, da vigente Carta Constitucional.

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.  

 

       

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