DÍVIDA ETERNA
Dídimo Heleno Póvoa Aires
12/08/2004
Lendo
um artigo do jornalista Sebastião Nery, fiquei estarrecido quando vi os números
da dívida pública brasileira. De dezembro de 1994 a maio de 2004, essa dívida
subiu de R$ 153 bilhões para R$ 950 bilhões de reais, ou seja, um
crescimento de pouco mais de R$ 760 bilhões. Em 94, a dívida era de 30% do
PIB (Produto Interno Bruto); em 2003, já era de 58% do PIB. Somente neste
ano, em maio, a dívida já havia crescido R$ 33,5 bilhões: estava em quase
R$ 947 bilhões. Agora, no final de julho, chegou a R$ 1 trilhão.
Conforme
raciocínio do citado jornalista, a impressão que se tem é a de que, nesses
9 anos, de 94 a 2003, o Brasil não pagou nada e por isso foi acumulando,
acumulando, até se multiplicar. Mas, embora pareça brincadeira de mal gosto,
nesse período o Brasil pagou R$ 707 bilhões de juros – isso mesmo, apenas
juros! Sem contar que a dívida ainda cresceu um bom bocado. Repetindo, para
que o leitor(a) não se esqueça: o
Brasil pagou R$ 707 bilhões só de juros e, ainda assim, a dívida cresceu
mais R$ 760 bilhões.
Segundo
informações do jornalista, esses são números do Banco Central e do Ministério
da Fazenda. Como eu, garanto que você está embasbacado, sem entender como
isso pode acontecer. Pois é, mas acontece. O Brasil parece trabalhar apenas
para pagar esses
juros exorbitantes e
imorais. Os Estados Unidos já deveram bilhões. Mas, o que eles fizeram? O
que todo devedor em dificuldade faz: chamaram os credores para uma negociação,
colocaram os pingos nos is e resolveram a situação. O Brasil não propõe a
renegociação da dívida e reza na cartilha dos credores internacionais, os
bancos e as multinacionais, que se interessam pela manutenção dos juros lá
nas alturas. E ainda por cima, quem dita as regras
no Banco Central é o Sr. Henrique Meirelles, brasileiro de nascimento
e norte-americano de coração, corpo e alma, que durante anos comandou o
Banco de Boston.
Enquanto
isso, o presidente Lula viaja para a África, no intuito de dar sua contribuição,
dizendo-se no dever moral de ajudar as nações pobres. Concordo com o altruísmo
do Presidente, mas antes é preciso olhar para o seu próprio terreiro. Milhões
de brasileiros morrem de fome e incontáveis crianças perecem desnutridas
antes de completarem um ano de vida. Os irmãos africanos merecem nosso
respeito e consideração, mas o pai primeiro coloca comida na boca de seus
filhos, depois disso é que ajuda o outro.
O
Brasil é um país de economia forte e de um povo fraco. É uma nação rica
de povo pobre. A má distribuição de renda é o nosso problema crônico, a
concentração do dinheiro está nas mãos de poucos, enquanto a maioria
sobrevive com um salário vergonhoso, sem acesso às mais básicas
necessidades, como esgoto, água tratada, energia elétrica, saúde, educação
e segurança. E pensar que todos os anos o Governo destina bilhões para o
pagamento das dívidas interna e externa.
Delfim
Neto, numa de suas conhecidas frases de efeito, disse certa vez que o Brasil
é o país do “ingana”, com impostos da Inglaterra e serviços de Gana.
Com razão. Somos donos da maior carga tributária mundial e, também, um dos
piores colocados no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Nos países ditos
de primeiro mundo, os impostos são altos, mas, em contrapartida, os seus
cidadãos dispõem de boa educação, saúde e segurança, custeados pelo
Estado. Aqui, nem as rodovias são mantidas com decência. Com juros absurdos como esses, o Brasil continuará muito bem
no conceito da agiotagem internacional, pois é tido como bom pagador,
enquanto o seu povo permanece desnutrido, mal-educado e entregue à violência
urbana.
É digna de nota a preocupação do presidente Lula com nossos irmãos africanos, que foram explorados a vida toda pelos europeus. Mas o rico, geralmente, não é de ajudar ninguém. O pobre é mais solidário. Como ensinou Buda, somente se é bom na medida em que se pode ser bom. O Brasil quer ser bonzinho, mas não pode. E quem pode, não quer ser. O Presidente só não deve se esquecer de que a África também é aqui.
*Dídimo
Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.