O
PODER DA RELIGIÃO
Dídimo Heleno Póvoa Aires*
01/10/2004
Daqui
da minha janela, vejo o Poder. Explico: de frente à minha mesa,
onde trabalho, tem outra mesa, ocupada por um colega e, atrás
dela, uma ampla janela, por onde vislumbro o Palácio Araguaia, sede do
Poder Executivo do Estado do Tocantins. Entre um trabalho e outro, olho
inevitavelmente na direção do local em que são tomadas as mais
importantes decisões. Ali, destinos são estudados e traçados. Isso é
poder.
Mas
o que se quer, com este artigo, é discutir sobre outro tipo de poder.
Aquele que a sociedade capitalista-religiosa exerce sobre todos nós.
Equivocam-se os que recorrem às cartas, aos dados, à tarologia, aos números.
Nosso destino – o destino do homem moderno – pode
ser decidido em gabinetes ou em sacristias.
Tenho
para mim que um dos principais entraves da sociedade moderna – e
isso pode ser entendido como paradoxo, tendo em vista a evolução
da humanidade – é a religião. Num momento em que se observam grandes
feitos tecnológicos, somos bombardeados por falácias repetidas desde a
Idade Média, vindas de pregadores muitas vezes tão irresponsáveis
quanto os daquela época. São homens que exploram a ingenuidade e a
falta de formação das pessoas mais humildes.
Na
verdade, o homem mediano sempre teve necessidade de ser enganado. É
mais confortável assim. O caminho mais curto para se adquirir poder é
através da exploração da fé, da crença. É o ponto frágil, lugar
de vivência pacífica. Os templos religiosos são locais de encontro
entre senhores e servos, patrões e empregados, chefes e subalternos. É
o único momento em que oprimidos e opressores falam o mesmo idioma: a
linguagem da fé. Ali, e somente naquele momento, todos somos iguais. Após,
voltamos à velha e infalível hipocrisia, com nossos pecadinhos
cotidianos, cada um por si, correndo feito loucos atrás de grana, pouco
importando com a vida miserável do próximo.
Ao
iniciar falando do Poder Executivo, apenas
uso o assunto como subterfúgio para falar desse que é o
maior poder e que nos engana todos os dias: a religião, nas mãos
de maus dirigentes religiosos. Em nome de Deus, cometem-se as maiores
barbaridades. São muitas mentiras, embora devamos reconhecer existirem
bons pregadores da palavra santa, dotados de sinceras e honestas intenções.
Enquanto
muitos líderes religiosos se entopem de dinheiro, o povo morre de fome.
Algumas religiões pregam a pobreza como requisito para se entrar no céu.
Outras, pregam a bonança, porque acreditam que é assim que Deus quer
que se viva. Mas, o que é
certo? Na minha modestíssima opinião, o certo é ser bom. Não a
bondade no sentido teórico. Muitas vezes apenas pensamos ou falamos
sobre o assunto, achando que um belo sorriso no rosto é requisito para
tal. Lugar de bondade é no coração, não na face. Outros se acham
gabaritados ao reino de Deus apenas por freqüentar a Igreja. Após
cumprirem a “missão”, voltam a
ser apenas criaturas mesquinhas, indignas de se apresentarem como
religiosos, na verdadeira acepção da palavra.
Imagino
que Deus deve ficar envergonhado de tudo o que vê, com tantos homens
dizendo-se autorizados a falar em Seu nome. O que a maioria dessas
pessoas quer, enquanto
seres humanos, é adquirir poder, ser líder, tomar decisões, guiar a vida dos outros.
Nada mais natural. O animal irracional também vive assim. O leão, por
exemplo, é quem dita as regras no seu meio selvagem. Mas, no plano
espiritual, só existe um único e insubstituível Comandante.
São tantos candidatos a Deus, aqui na Terra, que o Deus verdadeiro perde, a cada dia, mais espaço. Pseudo-líderes religiosos falam em Seu nome, como se tivessem uma procuração para isso. E nós, meros mortais, somos levados a acreditar. Como ensina o ditado popular, “todo mundo quer encontrar-se com Deus, mas ninguém quer morrer”. Mas não tem jeito, é impossível reservar lotes no céu, embora existam muitos vendedores por aí. A vida deve ser vivida como uma espécie de usucapião, já que tomamos posse de um bem Divino, sem pagar nada por isso. Se tivermos boa-fé e agirmos com justiça, talvez no final poderemos adquirir de vez a propriedade. O importante é não se esquecer de que, acima das religiões, paira, soberano, o Arquiteto do Universo.
*Dídimo
Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.