A ELITE DESPREPARADA
Dídimo
Heleno Póvoa Aires*
27/10/2004
Que um dos sérios
problemas nacionais é a falta de leitura, todo mundo sabe. E também já
são por demais conhecidas as razões que levam o nosso sistema
educacional a ser um dos piores do mundo. É muitíssimo comum
encontrarmos pessoas que possuem curso superior e que não sabem,
sequer, redigir um ofício ou uma simples carta. Mas o problema, ao
contrário do que se possa pensar, não é dos que não aprendem, mas
dos que não se preocupam em contribuir para melhorar a qualidade do
ensino.
Nos
países ditos de “primeiro mundo”, é comum os mais ricos doarem,
através da filantropia, parte de sua fortuna em benefício da
coletividade. Muitas vezes, esse dinheiro é usado na construção de
museus, bibliotecas e outros empreendimentos culturais. Aqui no Brasil,
raramente se vêem atitudes como essas. As fortunas são deixadas
unicamente para os filhos, que se preocupam, igualmente, apenas em
deixar ricos os seus descendentes, e assim por diante. Entre as poucas
exceções, pode-se citar a Fundação Roberto Marinho, entidade que
incentiva a cultura no País, há muitos anos.
Isso
acontece simplesmente porque não há um compromisso da elite com a
sociedade. Na verdade, há, sim, um interesse em deixar o povo
desprovido de qualquer cultura, longe dos livros, do saber. Em pleno século
XXI, aqui ainda se vê voto sendo trocado por comida, dentadura, sacos
de cimento, tijolos, e outras miudezas. A cesta básica é um produto
mais sofisticado criado pela elite, no intuito de comprar o voto e
incentivar a preguiça, deixando o cidadão cada vez mais dependente da
esmola do Poder.
Além
da pobreza material, a miséria cultural é outro problema seríssimo da
sociedade brasileira. E o pior de tudo é que grande parte dos que estão
em postos de comando é tão ou quase despreparada quanto os comandados.
Inúmeros políticos são de um despreparo constrangedor; alguns
praticamente sabem apenas escrever o seu próprio nome e ler com
dificuldade.
A
elite brasileira tem grande parcela de culpa, quando se trata de educação.
O problema é que, para se ganhar dinheiro, existe uma falsa idéia de
que não é preciso estudar. O pai está muito mais preocupado com a
situação financeira do filho do que com seu nível educacional. É bem
melhor ser um jogador de futebol, pagodeiro, modelo ou cantor de dupla
sertaneja. Dá muito mais grana. Logicamente, existem profissionais
dessas áreas que se preocupam também em adquirir conhecimentos e dão
bons exemplos, mas é preciso reconhecer que se trata de uma minoria
escandalosa. Além disso, existe no Brasil a crença absurda de que
gente honesta não fica rica. O pior de tudo é que, em nossa sociedade,
são essas pessoas que se tornam celebridades, que ditam as tendências
e que se transformam em ícones de toda uma geração.
E
o resultado não poderia ser outro: somos vítimas de uma elite
despreparada, descompromissada com o futuro do País. O hábito de ler e
adquirir novos conhecimentos é praticamente inexistente em nosso meio.
Depois do diploma, o sujeito muitas vezes nunca mais abre um livro,
dedicando-se apenas às falcatruas, aos pequenos e grandes delitos, à
famosa Lei de Gérson, às vilezas do cotidiano.
Se
você, leitor ou leitora, pretende fazer um teste, pergunte ao seu médico,
ao seu advogado, ao seu dentista, ao juiz de direito de sua cidade, ao
padre, ao seu professor, ao seu deputado, ao seu vereador, ao seu
prefeito, ao seu melhor amigo, ao seu pai e a sua mãe, qual o último
livro que leram e peça-lhes para fazer uma rápida interpretação da
leitura. Não se surpreenda se a maioria disser que nada leu; e se leu,
também não se espante se confessar que nada entendeu.
Depois
disso, você terá uma leve noção do País que acolherá as nossas
futuras gerações. Dificilmente os filhos de pessoas que não lêem terão
esse hábito, pois são poucas as escolas que incentivam a leitura,
principalmente depois do advento da internet, onde tudo já vem pronto,
com terríveis erros de português e informações muitas vezes falsas.
O aluno só tem o trabalho de imprimir. Tente ler ao menos um livro por
mês. Se tiver filhos, incentive-os também. No futuro, talvez todos
consigamos passar no teste.
*Dídimo
Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.