Dídimo Heleno Póvoa Aires*
23/01/2005
Ficou
bem conhecido o Projeto de Lei, de autoria do deputado Aldo Rebelo, que
pretende abolir palavras estrangeiras da nossa língua. Por trazer matéria
tão polêmica, tornou-se alvo de muita crítica e discussão por parte da
sociedade brasileira. Existem palavras estrangeiras que estão
definitivamente inseridas ao nosso idioma. Como exemplo, podemos citar
“sutiã”, “bidê”, vitrô, todas de origem francesa, bem como
“hot dog”, “ticket” e “marketing”, de origem inglesa. Palavras
africanas, como “candomblé”, “vatapá” e “mungunzá”, também
são bastante comuns.
Já
emiti opinião a respeito do assunto e sou, de fato, contra o
estrangeirismo exacerbado na língua portuguesa, mas daí a se criar uma
lei que venha proibir o uso de tais palavras é, no mínimo, extravagante,
para não dizer inócuo. É inconcebível imaginar que sutiã passe a ser
conhecido como “suporte de seios” e bidê, “higienizador íntimo”.
Também não cairia no gosto popular a troca da palavra “futebol” por
“ludopédio”.
O
Português, como vários outros idiomas, originou-se do Latim. A própria
Constituição Federal, que no seu art. 13, determina ser a língua
portuguesa o idioma oficial da República Federativa do Brasil, traz em
seu texto palavras como “habeas corpus”, “habeas data” e “ad
nutum”, todas latinas.
Caso
se proibisse o uso de estrangeirismos, praticamente seríamos obrigados a
não nos comunicar, pois palavras de diversas origens fazem parte do nosso
vernáculo, principalmente
numa época em que a globalização contribui para que diferentes culturas
estejam cada vez mais próximas. Além do que, fiscalizar o uso indevido
da língua seria praticamente impossível. Imagine agentes contratados
pelo Governo, com a finalidade de multar todos aqueles que ousassem
utilizar termos estrangeiros?
Muitos
estudiosos admitem que o fato de adotar palavras de outros idiomas, ao
contrário do que pensa o nobre deputado Rebelo, enriquece a língua de um
povo. É claro que se deve coibir os abusos, evitando-se o uso
indiscriminado de palavras estrangeiras quando há no vernáculo expressões
similares, que podem ser plenamente utilizadas.
“Impeachment”
é outro exemplo de palavra estrangeira que foi muito utilizada à época
do ex-Presidente Fernando Collor. Daqui pra frente, se o Projeto for
aprovado, presidentes serão enxotados, ou, na tradução “ad
litteram”, simplesmente impedidos ou embaraçados.
A
abolição completa de palavras estrangeiras é norma que vai de encontro
à cultura de um povo. Peguemos, apenas a título de ilustração, a
palavra “assassino”. Ela foi inserida ao nosso idioma através da
variação da palavra “haxixe”, que é uma espécie de entorpecente,
derivado da maconha. No México, os usuários de haxixe, conhecidos por
“haxexinos”, quando em estado de torpor, costumavam praticar crimes.
Daí, numa adaptação para o português, criou-se a palavra
“assassino”, para designar aquele que comete o crime de homicídio.
Língua,
segundo Houaiss, “é o conjunto de elementos que constituem a linguagem
falada ou escrita peculiar a uma coletividade”.
Termos estrangeiros que passam a fazer parte do costume popular e
que se insere ao idioma falado, conseqüentemente acaba fazendo parte da língua
de um povo. A Suíça, por exemplo, que é menor territorial e
demograficamente, do que muitos Estados brasileiros, sofre a influência
de quatro idiomas: inglês, francês, alemão e italiano. No Canadá,
fala-se o inglês e o francês. Na cidade de Quebec, o francês é
predominante e a maioria de seus habitantes simplesmente se recusa a
expressar-se em inglês. E o que dizer da Rússia, China e Índia, com
suas centenas de dialetos?
O
Brasil é um dos únicos países que fala um só idioma. De norte a sul,
leste a oeste, o brasileiro se comunica e é perfeitamente compreendido.
Embora haja diferenças regionais, que influenciam diretamente no sotaque,
não há nenhuma parte deste imenso país de proporções continentais,
onde não se fale a mesma língua. Com tantos problemas sociais e econômicos,
além da corrupção que assola o Brasil, o deputado Aldo Rebelo vai se
preocupar justamente com uma questão que está longe de ser um problema
para nós, brasileiros. Problema, mesmo, teremos se esse Projeto for
aprovado.
Seria
mais interessante se o nobre deputado elaborasse um Projeto de Lei
objetivando melhorar a distribuição de renda em nosso país. Afinal, meu
caro parlamentar, “money que é good, nós não have”.