LIÇÕES DE MINAS

 

 

12/02/2005

Dídimo Heleno Póvoa Aires*

 

 

De Minas Gerais eu poderia dizer muitas coisas. Poderia falar sobre os meus bons amigos mineiros, amizades estas feitas aqui no Tocantins, por conta do grande número de pessoas advindas daquele Estado e que aqui residem. Aliás, o mineiro, assim como o cearense, é um cidadão universal: em todo lugar tem um.  No final do ano passado, fui conhecer Ouro Preto, Mariana, Congonhas e, claro, Belo Horizonte. Ciceroneado pelos irmãos Tomás e Filipe e por seu pai, o culto e dedicado anfitrião José Ernesto Ballstaedt, historiador e ex-professor da UFMG, hoje aposentado, tive importantes aulas de história a respeito das riquezas culturais de Minas. 

 

Para falar das belas igrejas de Ouro Preto, dos profetas de Aleijadinho, das riquezas de Mariana e de tantas outras coisas mais, seria preciso um artigo para cada assunto. Como o espaço é curto e tendo em vista que muitos são os textos que dizem respeito às localidades acima referidas, prefiro falar sobre o Mercado Central de Belo Horizonte, o Mineirão e o Bar do Bolão.

 

Muitas pessoas, ao visitarem qualquer cidade, preferem ir ao shopping center. Mas shopping é tudo igual e até o cheiro é o mesmo, só muda de tamanho. No meu entender, é um desperdício de tempo. Em Belo Horizonte, descobri o Mercado Central e por ele fiquei fascinado. É o retrato do povo mineiro e o cheiro exalado naquele espaço é uma mistura de cultura com queijo e goiabada cascão. Lá se vende de tudo, de artesanato a galinha caipira. Ali se descobre a hospitalidade do povo mineiro: travei conversas com pessoas conhecidas há cinco minutos, mas que pareciam amigas de longa data. Um copo de cachaça na mão, um pedaço de queijo na outra e um “pé” de balcão são convites sedutores para se iniciar um bom e gostoso papo com qualquer mineiro que freqüenta o Mercado Central. E todos freqüentam, do gari ao executivo.

 

Para minha sorte, fui ao Mineirão no dia do último jogo do campeonato brasileiro de 2004, partida disputada entre o Atlético e o São Caetano. Foi um jogo de uma torcida só, a maior renda da competição. Pode-se dizer que o Mineirão é um Mercado Central em tamanho gigante, apenas acrescido de uma boa dose de fanatismo por parte dos atleticanos convictos. Mas a torcida é linda, apaixonada, assim como a do meu Flamengo. Minas e comida são palavras praticamente sinônimas e até durante a partida de futebol é servido no Estádio um tradicional e delicioso feijão tropeiro, com vinagrete, farofa e um ovo frito no centro do prato: é o que eles chamam de “ovni”. Num determinado momento, é possível apreciar milhares de pessoas com um prato na mão e assistindo ao jogo, em plena arquibancada lotada.

 

Quando o Atlético marcou um gol, tive a infelicidade de descobrir por que o ovo no centro do prato se chama ovni (objeto voador não identificado): são milhares de gemas, claras e feijõezinhos que voam sobre nossas cabeças, num festival de comida atirada ao ar, como os chapéus dos formandos em dia de formatura. É verdade que corri o risco de o sujeito ao lado oferecer-me um fraternal abraço e gritar gol com toda a força de seus pulmões, espalhando ovo, feijão, vinagrete, cerveja e saliva bem na minha cara. Mas é uma festa popular inusitada e inesquecível, como jamais havia visto.

 

Por fim, visitei o famoso Bar do Bolão, no bairro de Santa Teresa. Lá funciona 24 horas e o prato tradicional da casa é um espaguete com molho à bolonhesa. É um bar aparentemente comum, freqüentado por famosos, anônimos, por ébrios de final de festa e por nostálgicos boêmios da noite. As paredes são repletas de relógios, cada um marcando uma hora diferente, ao gosto do freguês. É um local para se visitar em Belo Horizonte, principalmente para os que apreciam uma boa cerveja e boas companhias. O Bar do Bolão é bem brasileiro, daqueles que acolhem várias gerações, passando de pai para filho o gosto pelo boteco.

 

Além das igrejas de Ouro Preto e dos profetas de Aleijadinho, o povo mineiro também é um patrimônio nacional. Quando Sérgio Buarque de Holanda teorizou sobre o “homem cordial”, deve ter se inspirado, principalmente, no mineiro. Como explica Alysson Costa, o homem cordial, o brasileiro, é aquele que não suporta formalidades. Aquele que quer estreitar distâncias a todo custo. Aquele que prioriza o afetivo, as relações pessoais. Aquele que aceita ser amado ou odiado, mas nunca esquecido. Falem mal, mas falem de mim, já diz o ditado. O mineiro é assim: dócil, educado, informal e acessível. Nós, os tocantinenses, que somos filhos de um Estado adolescente e estamos em processo de solidificação cultural e na busca da consolidação de nossa identidade, temos muito o que aprender com Minas Gerais.

 

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.

 

 

       

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