A VIDA ETERNA

Dídimo Heleno Póvoa Aires*


Embora seja costume das pessoas afastarem-se de discussões que envolvam temas religiosos, eu prefiro delas aproximar-me, pois, como ser dotado de inteligência, não posso deixar de fazer alguns questionamentos que julgo de pleno direito. Quanto à existência de Deus, tenho para mim que Ele, de fato, existe. Talvez não aquele que está descrito no Antigo Testamento. Mas creio na existência de um Criador.

Quando ocorrem catástrofes ou guerras violentas, vitimando milhares de pessoas, é comum vir à tona a insistente pergunta: por onde andava Deus, nessa hora? Algumas religiões se safam de perguntas constrangedoras como esta, apelando para a fé. Quando não conseguem respostas, sempre recorrem ao repisado chavão: é preciso apenas ter fé, e nada mais. O conformista comum, que nasceu ouvindo a mesma ladainha transmitida de geração em geração, cala-se e recolhe-se à sua insignificância de mero mortal. Felizmente, não me considero tão conformado a ponto de contentar-me com tal disparate. Gostaria, mesmo, de saber por onde anda Deus nos momentos das grandes catástrofes, que não levanta a mão para acudir seus filhos. É comum ouvirmos: “se assim aconteceu é por que Deus quis e sobre os seus desígnios não nos é dado conhecer”. Ou os religiosos imaginam que somos todos uns imbecis, ou nem eles sabem de nada, o que é bem mais provável.

Entretanto, partindo da premissa de que Deus existe e não toma qualquer providência nessas horas difíceis, chego à conclusão de que Ele assim age por absoluto apego à ética. Talvez prefira permanecer imparcial, sem se intrometer na vidinha medíocre de suas criaturas, para que não seja acusado de tendencioso. Para os ateus, Ele nem sequer existe e nós é que perdemos tempo procurando respostas inexistentes. Tenho de admitir que muito me incomoda o fato de os africanos morrerem na pobreza extrema, enquanto muitos países ricos se esbaldam na fartura. De igual forma, não encontro justificativa capaz de explicar por que poucos têm tanto e muitos têm nada. A única resposta que encontro é a mesma de sempre: “tenha fé; se assim é, é porque Deus quer”. Os espíritas tentam explicar todas essas injustiças com o argumento de que são pagamentos de várias reencarnações passadas, e um sujeito que foi riquíssimo em outras vidas pode ser agora um mendigo, na busca incessante pela purificação da alma. Que me perdoem, mas também não posso simplesmente acreditar nisso. Onde estão as provas? Quem me garante que é assim mesmo? Por que o sujeito não se lembra da vida passada, quando foi rico? Quem sabe com a morte poderemos ficar sabendo a verdade? Ou não.

Confesso que fiquei intrigado com o Deus do Antigo Testamento: Ele é muito parcial. Matou milhares de egípcios para proteger o povo de Israel. Não satisfeito, mandou matar os que já habitavam Canaã, a terra prometida. Matou até Moisés, seu fiel seguidor. Ora, não somos todos filhos Dele? Que espécie de pai é esse que prefere um filho em detrimento de outro? Além do mais, é um Deus extremamente ciumento, cheio de vontades. O meu Deus é repleto de bondade e misericórdia, calmo, sereno, barbona branca e um olhar carinhoso. É Cristo bem velhinho, mas sem aquela aparência americanizada, pois me recuso a acreditar que Ele tenha os olhos claros, aqueles cabelos longos de Oswaldo Montenegro e a barba bem feita. O meu Deus é amoroso, mas sem as inconstâncias de humor do Deus do Velho Testamento e, lógico, possui um nariz bem grande, afinal nasceu judeu. Já para o cientista Jack Milles, Cristo é Deus arrependido. Pode ser. Ele arrependido é bem melhor.

A promessa mais poderosa, pregada por quase todas as religiões, é a da vida eterna. Motivados por isso, milhões de fiéis se entregam de corpo e alma às mais variadas formas de adoração e crença. O desejo de ser imortal é só comparável à vontade de voar. Os fanáticos do islã matam em nome da certeza de que encontrarão setecentas virgens à sua espera após a morte. Tudo bem, é preciso admitir que o argumento é fortíssimo, mas mesmo assim não justifica tanto fanatismo. Já os cristãos vivem à espera do Paraíso. Eu, entretanto, fico pensando: se existir mesmo a vida eterna, ela estará lá, esperando-me depois da morte, quer eu acredite ou não. Se não existir, estaremos todos ferrados: é só escuridão e terra, e vermes, e ossos, e caixão. E contra isso nada poderemos fazer. De qualquer forma, é muito mais inteligente, cômodo e conveniente acreditar na eternidade da alma. E, além do mais, dizem os religiosos que quem desacredita não chegará ao reino dos céus, o que não deixa de ser uma grande chantagem. Por via das dúvidas, eu creio! Mas, pense comigo, e se nada disso existir? Só lhe resta uma saída: tenha fé e aguarde.
 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.

 

 

       

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