DÍDIMO
HELENO PÓVOA AIRES*
06/05/2006
O servidor público tem fama de preguiçoso, incompetente e mal-humorado. É claro que há, aí, um nítido exagero. Existe muita competência, atividade e bom humor no serviço público, até porque, a partir da Emenda Constitucional nº 19, que trouxe o Princípio da Eficiência entre aqueles expressos no art. 37, da Constituição Federal, exige-se que durante três anos o agente público seja avaliado pelo seu desempenho e aptidão para o trabalho. Ao final, caso não obtenha a nota esperada, pode até perder o cargo para o qual concorreu.
É claro que, passados os três anos, muitos se acomodam e passam a exercer suas funções mecanicamente, sem qualquer compromisso. É comum que após o chamado “estágio probatório”, devido a conquista da “estabilidade”, muitos se sintam mais seguros e se descuidem do trabalho. A estabilidade no serviço público tem como uma de suas razões justamente a função de zelar pela segurança do servidor, para que ele não se sinta pressionado ou tendente a cometer algum ato de corrupção, embora saibamos que o recebimento de propina é prática comum entre estáveis e não estáveis. Sem dúvida que a estabilidade, nesse sentido, é bem-vinda.
Por outro lado, a conquista da estabilidade também traz, junto com ela, o comodismo, a falta de empenho e o desinteresse em adquirir mais qualificação e aperfeiçoamento. Antes de qualquer coisa, é preciso que se tenha em mente que o servidor público é um servidor do público. É o povo quem paga o seu salário, sendo, portanto, o verdadeiro patrão. Mas, infelizmente, é justamente o povo o mais maltratado pelos incompetentes que se arvoram de donos do cargo, quando deveriam estar ali apenas para servir. Em alguns estabelecimentos públicos, nem mesmo os recepcionistas que, em tese, deveriam ser os mais simpáticos, se preocupam com a polidez.
Na iniciativa privada, ao contrário, é necessário que o empregado seja ativo, competente e que produza bons resultados, sob pena de ser demitido ao primeiro sinal de desleixo. No mundo capitalista o lucro é o produto que vem em primeiro lugar. Sendo assim, o empresário não admite que, por incompetência ou falta de compromisso com o serviço, o seu empregado venha a lhe causar prejuízo. No serviço público, produzindo, ou não, o sujeito recebe religiosamente a sua sagrada remuneração. Passados os três anos de avaliação, não há mais uma cobrança rígida de seu bom desempenho.
É preciso que haja uma conciliação, aproveitando-se os benefícios da estabilidade e os malefícios que a sua ausência poderia trazer ao serviço público. Talvez fosse o caso de o servidor ser avaliado não somente por três anos, mas por todo o tempo em que estivesse exercendo as suas funções. É claro que o servidor corrupto pode, através de um processo administrativo ou judicial, vir a perder o cargo. Mas, até que isso aconteça, é preciso que se contorne, em muitos casos, o famigerado corporativismo que impera na seara pública. Ademais, não sei de nenhum caso em que o servidor público estável fora demitido, única e exclusivamente, por incompetência, o que é comum no serviço privado.
Outro dia, em conversa com o meu amigo Arpuim, ele me contou um fato, no mínimo inusitado, de um candidato a um concurso de gari que foi impedido de fazer as provas por não ter concluído o ensino médio. O tal candidato, mostrando-se indignado, escreveu uma carta denunciando que nem mesmo para o cargo de Presidente da República exige-se tal qualificação. Para que um cidadão comande a Nação, basta que não seja analfabeto (saber ler e escrever o próprio nome), mas para varrer ruas necessita de um diploma. É importante que se cobre qualificação escolar não só de um gari, mas de qualquer trabalhador, como também é de suma importância que o Presidente de um país tenha estudado. No caso do nosso, que faz apologia da ignorância e chega até a ser aplaudido por isso e é capaz de dizer, orgulhoso, que sua mãe nasceu analfabeta – como se fosse possível a alguém nascer alfabetizado – não nos assusta que o servidor público, em muitos casos, seja um acomodado e use a estabilidade como pretexto para a incompetência.
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.