DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
04/06/2006
No limiar dos meus trinta e cinco anos, chego a duas conclusões: a primeira é que, definitivamente, acredito em Deus. A segunda, embora pareça paradoxal, é que, definitivamente, não acredito em religião. Você deve estar se perguntando: como esse louco chegou a essa certeza? Sabe como? Lendo a Bíblia. Ela, coitada, foi sempre vítima dos maus intérpretes, dos que a usam para proveitos nada ortodoxos, para ludibriar, para enganar, para se locupletar.
Nessa minha releitura da Bíblia (e toda releitura é melhor), descobri algumas coisinhas que ninguém havia dito a mim, nem os padres nem as freiras, com os quais convivi desde a mais tenra idade, já que fui batizado católico. Além disso, estudei em colégio de madres espanholas e sou de uma família que se diz temerosa a Deus. Mas o silêncio persistiu. Aliás, nessa minha descoberta, aprendi que os cristãos católicos não costumam – a grande parte – ler a Bíblia. E esse é um dos maiores erros: entregam essa tarefa aos padres e aos pastores, que a interpretam (alguns) ao seu bel prazer e conveniência. De “Dã a Bersabéia” todos sabem disso – essa é uma expressão utilizada na Bíblia, equivalente ao nosso “Oiapoque ao Chuí”.
Descobri o porquê do olhar de desconfiança que me dirigiam quando dizia que leria o Antigo Testamento: era o medo de que eu descobrisse a verdade. O negócio é política pura. De Gênesis a Deuteronômio, ninguém agüenta a parcialidade de Deus. E, sinceramente (que Deus me perdoe), não acredito que Ele seja assim tão parcial. Os judeus se esbaldam e é natural que eles somente acreditem nessa parte da Bíblia. Se eu fosse judeu, também acreditaria só nisso. É um Deus pessoal, de um só povo, e os egípcios e o resto da humanidade não passam de meros coadjuvantes. Mas, como literatura, é gostoso de ler. A Torá (nome que os judeus dão aos cinco primeiros livros da Bíblia e que nós, não judeus, chamamos de Pentateuco), apesar de tudo, merece a nossa tolerância, afinal está na Bíblia, e ela não é só parcialidade.
O Novo Testamento, segundo o ex-jesuíta e escritor Jack Milles, é a história de um Deus arrependido, de um Deus tolerante, que veio aqui para nos salvar, em forma de Jesus Cristo. Depois de tanta matança, de tanto sangue, derramado no Antigo Testamento, Ele perdeu a paciência com aquelas criaturas rudes, com aquele povo infiel e cruel, com aquela adoração a deuses inexistentes. Resolveu vir pessoalmente. E morreu para matar a charada. É por isso que acho errado não nos incentivar a ler o Antigo Testamento, pois só assim se entende o Novo.
O Deus do Novo Testamento é mais humano, é palpável. Mas o Deus do Antigo é invisível (pelo menos à grande maioria dos mortais), e pune quem não segue a sua cartilha. É o Deus da minha infância, que castigava e não media conseqüência para ensinar o povo. Ou o sujeito acreditava ou morria. E, cá entre nós, morrer pelas mãos de Deus não deve ser ruim: é a certeza de que o sujeito vai para o Céu, afinal, para onde mais Deus o levaria? A seguir tal raciocínio, todos os que foram mortos por Deus no Antigo Testamento (e foram muitos), morreram justamente, visto que, como nos ensinaram, só quem dá a vida pode tirá-la. Ou, talvez, Ele tentou foi nos dizer alguma coisa e nós é que não O entendemos. Ou, talvez, tudo não passa de uma boa literatura de ficção. Ou, talvez ainda, o Deus verdadeiro não tenha nada com isso. Ou, o que é pior, pode ser tudo verdade.
Mas existe uma “fissura” na Bíblia, que vai de Josué a Malaquias. São os chamados “Livros da História do Povo de Deus”. Nenhuma das religiões os assumiu. É a melhor parte da Bíblia, é o mais gostoso de ler. Sabe aquela história de Sansão e Dalila, de Davi e Golias, que escutamos na infância? Está tudo lá. A Bíblia são livros maravilhosos, bem escritos e didáticos, que todos deveríamos ler, ao invés de esperarmos que sejam interpretados para nós. E todo mundo entende, até quem não sabe (ou não quer) entender. Pare de ficar lendo apenas o Salmo 91 e enfeitando sua casa com a Bíblia aberta. Como todos os livros, ela foi feita para ser lida e não para ser usada como ornamentação. Leia, comece hoje, não perca tempo. Mas comece a lê-la do início, não por tópicos esparsos. Depois volte a ler o meu artigo, você vai me entender.
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.