DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
02/07/2006
O intelectual Sérgio Buarque de Holanda, em sua consagrada obra Raízes do Brasil criou o termo “homem cordial”, para designar o caráter do brasileiro. Segundo ele, somos naturalmente expansivos, debochados, dado a intimidades. Queremos sempre ser amigo do vizinho, seu confidente, chorar no seu ombro.
Por um lado, é até vantajosa essa característica. Por outro, nos traz a famigerada passividade, o desleixo, o desapego às questões inerentes à cidadania e aos direitos, de modo geral. Não gostamos de leis. Sendo assim, não gostamos também de cumpri-las. As regras são dificilmente seguidas pelos cidadãos pátrios; encontram sempre uma forma de burlá-la, de “alternativas” para resolver as contendas. Desse hábito, surgiu o famoso “jeitinho brasileiro”, que nada mais é do que a tentativa de amenizar a malandragem, a desfaçatez e o desvio de caráter, que Sérgio Buarque preferiu chamar de “cordialidade”.
Nossa gente é, de fato, quase sempre cordial. Portanto, hipócrita. Tapinhas nas costas, sorrisos exagerados, apertos frenéticos de mãos, piadinhas entremeando os diálogos, semblantes abertos, choros fáceis e copiosos, generosidade teórica e, principalmente, o desapego às formalidades, são características típicas do brasileiro médio, do homem comum. São esses exemplares que nos representam no Congresso. O Parlamento Nacional talvez seja um dos mais democráticos e representativos de sua sociedade. Todos os pilantras, todas as categorias e quadrilhas organizadas, estão lá muito bem representados. Nossos políticos, de modo geral, são os mais cordiais, os mais simpáticos e solícitos. Eles nunca dizem não e têm sempre uma palavra de consolo, embora normalmente desprezem as mais comezinhas regras de moralidade e ética.
Diferentemente do europeu, que é frio como o próprio clima, somos efusivos e não sérios, como disse Charles de Gaulle, o francês que debochou da nossa cara. Por isso, a imagem do brasileiro é ligada a tudo que faz lembrar a alegria, como o carnaval e o futebol. No geral, trata-se de um povo despreocupado; preocupa-se apenas com a vida do vizinho, com os problemas dos outros, com o teto alheio, embora de vidro seja o seu. Atrás da “cordialidade” de que falava Holanda, vem junto o fingimento, o preconceito, o descaramento e a “velha e boa” falsidade, razão pela qual a onça é o felino que mais amigos têm no Brasil.
O brasileiro é um sorridente, é um alegre desvairado, nem sempre disposto a respeitar a coisa pública. Coisa pública, para muitos homens públicos, é aquilo que pode ser utilizado por todos, pela família, pelos amigos e pelos correligionários. O dinheiro público, de igual forma, é aquele que pode ser dividido, repartido entre os companheiros. A “camarilha” (expressão que não sai da boca da senadora Heloísa Helena), que tomou conta do Brasil, é uma das mais cordiais de todos os tempos. Dentre os últimos presidentes da República, ninguém conseguiu ser tão simpático, alegre, cordial e carismático quanto Luiz Inácio. O chefe maior da Nação é também o mais puro e legítimo representante do homem forjado por Sérgio Buarque de Holanda. Lula agride o vernáculo como grande parte do povo que representa, chora com facilidade, aperta mãos e distribui abraços calorosos. Além disso, é completamente informal, gosta de futebol e até bebe uma cachacinha. Nosso Presidente é um homem cordial, representante fidedigno dos brasileiros.
Assim, de cordialidade em cordialidade, aproximamos-nos, a cada dia, do fundo do poço. Enquanto isso o brasileiro médio sorri o seu sorriso desdentado e débil, achando graça da própria desgraça, com sua gentileza insuportável e conivente.
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.