Critério esdrúxulo

 

 

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*  

 

26/10/2006

 

 

Votei em Cristovam Buarque no primeiro turno. Sua proposta, sem sombra de dúvida, embora não tenha empolgado a maioria do eleitorado, foi a mais honesta e a mais sensata de todas, justamente por falar em educação, que abrange as outras. Povo educado é povo honesto (em tese), é povo saudável, é povo higiênico, é povo sabido, é povo inteligente, é povo alimentado, é povo questionador. Educação é tudo, como se sabe.

 

Por isso, votei em Buarque, acusado de ser um candidato de tecla só, como se fosse possível falar em outra coisa no Brasil. É do que precisamos: educação. Cristovam foi muito feliz em escolher, com propriedade, o tema da sua campanha. Com propriedade porque foi ministro da educação do governo Lula, demitido por telefone. E demitido por força do ex-ministro da Casa Civil, josé dirceu (em minúsculo, pois é assim que se fala dos pequenos).

 

Cristovam não se elegeu, como já se sabia. O que não sabíamos era que Alckmin fosse para o segundo turno. Essa Lula também não sabia, como é de praxe. Contudo, fico agora imaginando a situação do eleitor que votou em Buarque, ou dos que votaram em Helena.  Nós votamos num destes dois por não acreditarmos nesses que foram para o segundo turno. E agora? Estamos num beco sem saída. Muitos poderiam dizer: vote nulo, vote em branco. Não, não concordo. É preciso votar, senão corre-se o risco de não poder, depois, questionar. E um sujeito como eu, que adora se manifestar, não pode ser acusado de não ter opinado.

 

Mas é preciso critério. Votar em Lula ou Alckmin requer momentos de profunda reflexão, de intrínsecos questionamentos, de análise contundente.  Lula se parece muito com o povo, é simpático, é carismático, é gente boa. Bebe cachaça, como a maioria de nós. Degusta churrasco de costela, como nós. Fala errado, como a maioria de nós. Veio de baixo, como nós. Alckmin é a imagem da integridade, está sempre limpinho, barbeado e bem engomadinho. É um político médico que passa a confiança deste profissional e não daquele, além de ter prestado bons serviços a São Paulo.

 

Contra Lula pesa o fato de ser grosseiro e ter memória curta. Come churrasco, mas não se importa com a qualidade do churrasqueiro. Fala errado e, em muitas ocasiões, também age errado. Veio de baixo, mas se deslumbrou lá em cima. Alckmin, por outro lado, passa a imagem de íntegro, mas tem alguns amigos que não são. É médico, mas também é político profissional. Prestou bons serviços a São Paulo, mas a dimensão do Brasil é infinitamente maior.

 

Como se percebe – embora não pareça – os candidatos são parecidos. Mas há outro critério a ser utilizado por quem, como eu, não votou neles no primeiro turno: o nível profissional das quadrilhas. A que acompanha Lula é despreparada, arrogante e extremamente amadora. A captura se dá com facilidade, através de meros grampos telefônicos e simples abordagens da ótima Polícia Federal. Trata-se de meliantes aprendizes, ávidos por dinheiro e poder, mas que são ridiculamente desmascarados, apanhados com a boca na botija. Aquelas conversas que costumam ser transmitidas no Jornal Nacional revelam, além do crime em si, o descuido do pessoal com o vernáculo e a falta de classe, enojando até o sujeito mais propenso à Síndrome de Estocolmo.

 

A quadrilha que acompanha Alckmin é preparadíssima. São gangsteres do nível de Al Capone. Sabem roubar e roubam com galhardia. Se suas vozes fossem captadas pelos grampos da polícia, ouviríamos, quiçá, poemas de Edgar Alan Poe e trechos completos da obra de Tolstoi, utilizados como código. São ladravazes que empunham metralhadoras, mas não se descuidam da vestimenta, como os homens de Al.

 

Estamos, nós eleitores, numa sinuca de bico.  Ou optamos pelo profissionalismo ou pelo amadorismo.  Ambos nos prometem as mesmas emoções, as mesmas quebras de sigilos bancários, os mesmos grampos telefônicos e as mesmas falcatruas de sempre. Resta-nos optar pelo estilo mais agradável. Uns preferem o amadorismo, pois este permite que a prisão seja mais facilmente empreendida. Outros preferem o profissionalismo, pois acreditam que até para roubar é preciso competência. Ser roubado por um cara bem vestido, usando perfume francês, fumando charuto Cohiba e que toma vinho de qualidade é, para esses, um alento, uma mitigação do sofrimento. Outros preferem a ingenuidade do criminoso, o romantismo do meliante, que rouba por uma boa causa, que rouba por ideologia, que recita poesia com bafo de cachaça, recendendo a cigarro barato, transmitindo a impressão de que sofre muito, fazendo surgir em nós, vítimas, uma certa piedade, uma vontade de chorar.

 

A você, sofrido eleitor, cabe escolher entre as duas únicas opções possíveis. Mas vote. Votando, ou não, alguém vai ter que nos governar.  Os critérios são esdrúxulos, eu sei, mas na próxima eleição talvez consigamos eleger algo melhor. A República é isto: renovação, possibilidade de ter esperança e mudar de tempos em tempos. Essa eleição do dia 29 nós já perdemos. Daqui a quatro anos, quem sabe?

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.

 

       

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