Sem papas na língua

 

 

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*  

 

13/01/2007

 

 

Bento XVI, o sucessor de João Paulo II, é considerado um intelectual, estudioso, letrado, erudito. Quando conquistou o papado, muitas críticas ao seu jeitão sisudo e, por vezes, radical, foram aventadas. Joseph Ratzinger, o nome civil do Papa, é um sujeito bem diferente de Karol Wojtila (João Paulo II). Sorridente, este era visto como sereno, sublime, carismático. Aquele, é um típico alemão, disciplinado, sério e de poucos sorrisos nos lábios.

 

O que ninguém esperava era que o Papa não tivesse papas na língua, com o perdão do irresistível trocadilho. Em discurso feito numa universidade alemã, citando o imperador bizantino Manuel II Paleologus, disse: “Mostre-me o que Maomé trouxe que era novo, e lá você encontrará apenas coisas más e desumanas, como o seu comando de espalhar pela espada a fé que ele pregava”. Pode-se imaginar o rebuliço que tais palavras causaram. Bonecos do papa foram queimados em países islâmicos, pedidos de desculpas públicas foram exigidas e imolações certamente foram praticadas pelo mundão afora. 

 

Mas o Papa, seguindo a inflexível tradição da Igreja de resistir bravamente aos pedidos de desculpas – como aconteceu no caso Galileu Galilei, que quase vira churrasco da Inquisição por ter tido a ousadia de dizer que o sol, e não a Terra, era o centro do universo (sistema heliocêntrico), e que só veio a ser desculpado outro dia (1983), alguns séculos depois – manteve o silêncio, acompanhado de amenidades insuficientes. 

 

Vindo de um Papa, tal atitude é, no mínimo, imprudente. Ainda que a frase fosse dita por mim, levando-se em consideração o fanatismo que impera em alguns fiéis muçulmanos, já seria um ato insano. Imagine dito assim, com todas as letras, por um líder religioso mundialmente reconhecido, ocupante do trono de Pedro.

 

Imaginar que um homem da estatura intelectual do Papa não sabia da repercussão que tudo isso poderia gerar é subestimar a inteligência da mais carola das carolas. O Papa detém um poder inimaginável entre os milhões de fiéis e não fiéis, além de exercer forte influência política pelos quatro cantos do mundo. Na verdade, cada palavra sua deve ser detidamente estudada, pensada, sopesada e avaliada, basta perceber que o homem é, além de representante de um país (Vaticano), o líder de uma das maiores  religiões do mundo.

 

O Papa disse que não sabia que suas simples palavrinhas poderiam causar tanto destempero. Pela importância de sua posição, deveria ser proibido de falar, sob pena de causar uma guerra de proporções dantescas. No máximo, teria a incumbência de beijar o chão, como fazia João Paulo II, dizer “muito obrigado” em umas doze línguas, e pronto. O Papa, somente com sua presença, já exerce efeito suficiente para dispensar a sonoridade que porventura saia de sua boca.

 

Para alguns, o estilo de João Paulo II já começa a fazer falta. Era um conservador inveterado, mas ao menos mantinha um imprescindível e constante sorriso nos lábios, com seu semblante sereno, faces róseas e olhos brilhantes. Bento XVI é compenetrado, de pouca simpatia. Por prudência, seria bom que sorrisse mais e falasse menos.

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.

 

       

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