Improbidade permitida
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
28/01/2007
Se existe algo do qual o brasileiro não pode reclamar é da monotonia. De tempos em tempos, uma nova excrescência nos faz sair da rotina. A mais recente, entre tantas, é a Reclamação nº 2.138, que tramita no Supremo Tribunal Federal e que, embora não tenha sido julgada em definitivo, conta com seis votos favoráveis, o que nos permite dizer que dificilmente será modificada.
Certamente, você está se perguntando o que se discute na citada Reclamação. Antes de tudo, é preciso que se esclareça uma questão, que será de grande valia para o seu entendimento: a Lei 8.429/92, que trata da improbidade administrativa, “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional”. Em outras palavras, essa Lei existe para coibir a corrupção, que gera o enriquecimento ilícito, além das falcatruas de todo gênero que são cometidas com alto grau de desfaçatez por muitos homens públicos brasileiros. Enriquecer ilicitamente é, também em outras palavras, furtar, roubar, apropriar-se indevidamente do dinheiro público, ou seja, o meu, o seu, o nosso.
Basta olharmos um pouquinho para tudo o que aconteceu recentemente no âmago do Governo Federal para entendermos o quanto a prática da improbidade administrativa é corriqueira. Ou o homem é probo ou ímprobo, ou é honesto ou desonesto, sem possibilidade de meio-termo. O agente público, por ser um prestador de serviço ao público, é quem deve estar mais atento às questões de improbidade, até porque a Lei 8.429 é dirigida diretamente a ele. Agente público, como o próprio nome diz, é aquele que exerce função pública, de forma temporária ou permanente, com ou sem remuneração.
Entre as subdivisões existentes na seara do serviço público, existem os agentes políticos, incluídos aí os vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, secretários de Estado, presidente da República, ministros de Estado, juízes, membros do Ministério Público, entre outros. Como se percebe, entre tais agentes estão aqueles que exercem posições de comando nas três esferas de Poder, isto é, Legislativo, Executivo e Judiciário. A decisão na Reclamação 2.138, até agora com o voto de seis ministros do STF, num total de onze, entende que tais agentes políticos não estão sujeitos à Lei de Improbidade Administrativa. Em palavras mais claras, os atos de improbidade que importarem enriquecimento ilícito, que causarem prejuízos ao Erário e que atentarem contra os princípios da Administração Pública e que porventura forem cometidos por eles, não serão considerados atos de improbidade.
Ora, se não se puder punir justamente os que mais cometem atos ímprobos, qual o sentido de tal Lei continuar existindo? Com a confirmação definitiva desse disparate, estar-se-á permitindo que os corruptos ajam com mais desenvoltura, com mais “segurança”, afinal muitos deles foram importunados recentemente, por isso se faz necessário tomar providências que venham a permitir a imoralidade.
Como nós estamos estressados de saber, a Lei de Improbidade servirá apenas para punir os pequenos, os miúdos, os que cumprem as ordens dos graúdos. Haverá punição, sim, mas apenas para o “pé-rapado”, para o conhecido “orêa-seca”, para o menos importante. É incrível como no Brasil, quando pensamos que estamos chegando ao fundo do poço, descobrimos que há, ainda, um abismo a ser conquistado. Chega a ser inacreditável que numa época de absoluto e comprovado desmantelo moral como a que vivemos, envolvendo justamente, na sua maioria, os chamados agentes políticos, o Supremo resolve permitir que a impunidade, grande incentivadora dos corruptos, seja oficializada. Os absurdos são tantos que nossa raiva está se transformando em desilusão, em perda definitiva de esperança. O nosso sentimento não é mais de medo, e sim de nojo.
Como muitos agentes políticos são eleitos por você, leitor, aproveite as eleições para curar a náusea que o persegue e escolha bons representantes. Depois do voto, enfie o dedo na garganta e vomite, vomite muito, colocando para fora toda a bílis acumulada. Você se sentirá melhor!
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.