Aparências
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
04-03-2009
Para os que transitam no meio cultural não é novidade, mas para o “leigo” talvez algumas figuras sejam desconhecidas: a do escritor que não escreve e a do poeta que não faz poemas. Pode acreditar, existem muitos por aí. O mínimo que se espera de um escritor é que escreva; e de um poeta, que faça poemas. Isso seria o óbvio ululante, claro. Mas não é.
Como bem ensinou Machado de Assis, em seu célebre conto “O segredo do bonzo”, uma coisa pode existir na opinião sem existir na realidade, vez que “não nos cabe inculcar aos outros uma opinião que não temos, e sim a opinião de uma qualidade que não possuímos”. Em outras palavras, a essência é a aparência. E são muitos os infelizes que vivem dela.
A última coisa que se pode exigir do escritor é talento. A mediocridade não é culpa dele. Mas o ato de escrever, para quem se diz escritor, é obrigatório. Fazer poesias, de igual forma, é tarefa do poeta. Mas eis que muitos senhores e senhoras elegantes, imbuídos da empáfia natural dos arrogantes, enchem o peito e desfilam pelos salões da literatura, apertando mãos, distribuindo sorrisos, ajeitando suas gravatas e pronunciando palavrinhas aos pés dos ouvidos mais atentos, exalando o hálito da hipocrisia no pescoço alheio.
Digo isso porque tenho andado por aí, observando esse tipo de gente, labutando na seara da literatura, transpirando muito (não me exijam talento!), mas escrevendo sempre, afinal faço parte de duas Academias de Letras, justamente por ser um escritor (ou autor, para agradar os puritanos). E o que fazem os escritores? Escrevem, ora!
Mas nem todos. Como disse, são muitos os “escritores”, cultores do conhecimento, que, embora não escrevam uma linha sequer, são recebidos nas melhores rodas como verdadeiros abnegados da literatura, homens que se dedicam às letras. De muitos, não conheço um único artigo. De outros, nem um verso para satisfazer minha curiosidade. Nada. Simplesmente nada. E não me venham dizer que é por falta de espaço. Há muitos hoje em dia.
A vocês, escritores que não escrevem, e poetas que não fazem poemas, concito-os a exercer o seu ofício, sob pena de perderem o título que tanto prezam. Quero ver palavras no papel, quero ouvir-lhes a opinião, quero criticá-los também! É um direito meu. Coloquem a cara para ser batida! Quero esmurrá-los com minha crítica ácida. Estou cansado de apanhar sem poder revidar.
Venham para o ringue, saiam da toca, tirem as máscaras! E repito: não se importem com o talento; a falta dele não é culpa sua. Mas, por favor, cumpram com o ofício, honrem o título que se arrogam possuir. A continuar como está, sinto-me em Fuchéu, capital do reino de Bungo, um lugar imaginado por Machado de Assis, onde as pessoas perderam seus narizes, mas continuam usando lenço de assoar.
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras.