O arcebispo das trevas
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
24-05-2009
O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, com um discurso saído das trevas da Idade Média, condenou à excomunhão a equipe médica que fez um aborto na menina de nove anos, grávida por conta de um estupro. Sobre o crime, em si, o religioso nada disse. A Igreja, como se sabe, é contra o aborto em qualquer circunstância. No caso de Pernambuco, a Lei Penal brasileira permite a prática quando proveniente de estupro, com o consentimento da mãe, ou quando esta corre o risco de morrer, mas, mesmo assim, a excomunhão foi aplicada. O arcebispo não se constrangeu em afrontar explicitamente a legislação nacional.
Na verdade, para quem não é cristão católico, a excomunhão aplicada pela Igreja não tem qualquer efeito prático, a não ser o incômodo de uma “condenação” por nada. Até o presidente Lula entrou na discussão, dizendo que a decisão da equipe médica tem mais importância do que a opinião da Igreja. O arcebispo das trevas mandou que o Presidente consultasse um teólogo de sua confiança, antes de opinar.
O teólogo da confiança de Lula é frei Betto. Até gostaria de saber o que ele pensa sobre o assunto, já que nem todos os religiosos estão de acordo com o arcebispo das trevas. Mas de tudo isso, o que me deixa mais escandalizado é o discurso arcaico, ultrapassado e fundamentalista de alguns membros da Igreja Católica. Submeter uma criança de nove anos a uma gestação de gêmeos, proveniente de estupro e ainda por cima correndo o risco de morrer é o preço a ser pago para se cumprir a lei de Deus? O Deus verdadeiro deve ficar horrorizado e envergonhado com tudo isso.
Um dos médicos excomungados, católico praticante, deu uma cutucada no arcebispo, ao dizer que a lei que pune o aborto em qualquer circunstância foi feita pelos homens, e os homens erram, assim como a Igreja, que até queimou pessoas vivas no passado. Mas o Deus do arcebispo é aquele descrito no Antigo Testamento. Quem já teve a oportunidade de ler essa parte da Bíblia sabe que ali os métodos divinos são bastante rígidos, para não dizer ignóbeis.
Para os que não cumprirem a lei do Deus do arcebispo das trevas, a Bíblia traz algumas penas, repletas de crueldades capazes de fazer arrepiar até os mais carolas dos cristãos. Veja alguns exemplos: à mulher desobediente será aplicado o castigo de comer os próprios filhos assim que nascerem (Dt 28, 49-57); E as pragas rogadas ao infiel continuam com promessas de feri-lo de tísica, febre, inflamações, queimaduras, desidratação, carbúnculo, amarelão, “flagelos que te perseguirão até pereceres” (Dt 28, 22). E o sadismo não acaba por aí. Os que não cumprirem as leis divinas serão acometidos de “tumores do Egito, com hemorróidas, com sarna e outras doenças da pele, de que não poderás curar-te”, além de loucura, cegueira e delírio (Dt 28, 27). O esquizofrênico Eliseu, num surto de intolerância, mandou que duas ursas, em nome de Deus, despedaçassem quarenta e duas criancinhas (II Reis 2, 23). E sabe qual o motivo para tanta maldade? Simplesmente porque os inocentes meninos o chamaram de “careca”. E a lista de punições é extensa. Pensando bem, a excomunhão foi uma pena bem leve e os excomungados de Pernambuco podem sentir-se satisfeitos.
Diante de tudo isso, o leitor percebeu de onde o arcebispo das trevas retirou o seu fundamentalismo. Certamente, a Bíblia é o seu livro de cabeceira, mas ele anda lendo muito o Antigo Testamento e se esquecendo dos ensinamentos de Cristo: amor, tolerância e compaixão.
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras.