Acredite!

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*

25-05-2009

 Entre as várias convenções sociais, uma é que todo não-crente deve respeitar os crentes. Até aí tudo bem. Quando religiosos decidem matar, eles o fazem entre si (veja o caso do Oriente Médio e dos irlandeses católicos e protestantes). Mas quando o sujeito diz que não acredita em qualquer religião, é imediatamente execrado. É visto como imoral, irresponsável, apóstata e herege. Não acreditar em Deus, na forma como pregam as religiões, é considerado insanidade. 

Se alguém acredita que ao morrer vai para o céu (com uma pequena estada no purgatório), ou que vai direto ao paraíso, ou que se reencarnará, ou que foi um senador romano em outra vida, ou que encontrará setecentas virgens, ou que se transformará numa estrela – somos obrigados a respeitar tudo isso calados, como se fosse a coisa mais normal do mundo. E ai de quem duvidar.   

Ter fé nada mais é do que acreditar naquilo que não se pode provar; é crença sem evidência. Uma coisa é o desejo de que algo exista, outra é se existe de fato.  E uma simples pergunta pode ofender os crentes. Qual o problema se eu questionar a existência do céu, onde tudo é paz e harmonia, os animais são dóceis e um sujeito barbudo e carrancudo está me observando dia e noite, anotando os meus pecados? Para um homem de fé, tais perguntas são ofensas graves, punidas com o desdém.  

E eu também tenho de acreditar que uma criança, ao morrer sem ter sido batizada, vai para um lugar chamado “limbo”, onde não existe Deus. E por que um ser inocente seria tão brutalmente punido? Querem me fazer acreditar que um Ser Supremo criou tudo com um simples comando, durante seis parcos dias, mesmo sabendo que os dinossauros viveram há milhões de anos, bem antes do período descrito no Livro de Gênesis, e que eles não coexistiram com o homem. Se eu perguntar quem criou os dinossauros corro o risco de ser crucificado. Sou levado a acreditar que eles foram extintos durante o dilúvio, embora o fato tenha ocorrido (se é que ocorreu) bem depois da existência desses bichos enormes. E querem me fazer crer que a Terra tem apenas 6 mil anos.    

E eu também não posso questionar de onde surgiu a mulher de Caim, filho de Adão e Eva, mesmo que a Bíblia não forneça qualquer explicação plausível sobre isso. Tenho de engolir calado o fato de Jefté, um personagem bíblico, ter cozinhado sua única filhinha inocente a pedido do próprio Deus, como recompensa por ter sido vitorioso em uma guerra.   

E serei imediatamente relegado ao ostracismo se disser que a arca de Noé não existiu e que não foi responsável por abrigar todos os casais de animais que existem, para salvá-los do dilúvio, embora a ciência tenha catalogado, só de besouros, mais de trezentas e cinqüenta mil espécies. Serei tachado de inconveniente se perguntar como cada casal desses insetos coube no barco divino. E os vírus, micróbios, bactérias e afins, foram criados por Deus? Provavelmente sim, já que são seres vivos; e todos necessariamente devem ter viajado na arca. Mas eu não posso fazer esse tipo de pergunta.  

Se alguém estiver disposto a acreditar em tudo isso e muito mais, não vejo qualquer problema, desde que respeite minha integridade física. Mas o que me incomoda é não ser reciprocamente respeitado quando ouso dizer que não acredito nessas coisas. Olhares de soslaio, bocas franzidas, testas frisadas, resmungos intraduzíveis e xingamentos explícitos são comuns quando se questiona essas “verdades” incontestáveis. O grande slogan das religiões é este: “Acredite! E não faça perguntas”. Por que, como todo ser humano, sou dotado de um cérebro e capaz de raciocinar? Por que não sou uma girafa ou um camelo? Talvez para que eu possa pensar. E quem pensa faz perguntas. Isso é óbvio ou não?

*Dídimo Heleno Póvoa Aires advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras.

 

       

Sai

 

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