O CONFLITO ENTRE ÁRABES E JUDEUS

 

Por DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*                                                                                                        

08-06-2009

                                                                                    

O ódio entre palestinos (árabes) e judeus é assunto que a muitos interessa e que poucos compreendem. Talvez a palavra “compreender” não seja a mais adequada, visto que é justamente de compreensão que a região do Oriente Médio necessita. Compreensão para resolver os conflitos existentes entre as classes sociais e as comunidades étnico-religiosas, que envolvem interesses locais, regionais e internacionais. Muitos imaginam que o conflito entre palestinos e judeus resume-se apenas na questão religiosa, mas o entrevero possui conotações políticas, ideológicas e econômicas, já que a região está localizada sobre uma das maiores reservas de petróleo do mundo, daí sua inegável importância, afinal esse combustível funciona como espécie de termômetro para a economia global.

 Desde a infância escuto os mais variados comentários sobre essa questão e as televisões, jornais e revistas inundam nossos lares com imagens de bombas explodindo, atentados terroristas e demais atrocidades envolvendo esses dois povos. A maioria apenas assiste passivamente, sentada confortavelmente em sua poltrona, talvez sem perceber que o que acontece naquela região pode afetá-la, direta ou indiretamente.

 Existem muitos livros no mercado, escritos por especialistas em Oriente Médio, os quais se dedicam ao estudo dessa complexa região (veja bibliografia ao final). As dúvidas mais comuns pairam sobre a origem do conflito e qual o motivo de tanto ódio acumulado ao longo dos séculos.  Antes de adentrarmos o assunto, propriamente dito, é importante trazer a localização geográfica do Oriente Médio, região onde se encontra a Palestina, na qual estão contidos o Estado de Israel, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia – os      dois últimos territórios árabes. Costuma-se considerar parte integrante do Oriente Médio todos os países localizados no oeste e sudoeste do continente asiático, numa região limitada pelos mares Negro, Cáspio, Mediterrâneo, Vermelho, pelo Golfo Pérsico e Oceano Índico.

 Quinze países fazem parte do Oriente Médio: Afeganistão, Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Síria e Turquia. Por se tratar de uma região bastante complexa, do ponto de vista político e geográfico, muitos dos seus problemas acabaram envolvendo países que não fazem parte do Oriente Médio, mas que, por razões políticas, ideológicas e étnicas, estão inevitavelmente ligados aos problemas judaico-palestinos. Como maior exemplo, pode-se citar o Egito, localizado na região norte da África, e que acabou se envolvendo em várias guerras entre árabes e israelenses ao longo da história. Outros países envolvidos são a Líbia, Tunísia, Paquistão, Índia, entre outros. O Oriente Médio pertence, do ponto de vista humano, ao denominado “mundo árabe-islâmico”.  

 Muitos imaginam que a Palestina seja um país do Oriente Médio. Como dito, essa se resume num pedaço de terra de aproximadamente 27 mil quilômetros quadrados, no qual estão contidos o Estado de Israel, com aproximadamente 21 mil quilômetros quadrados, tomando quase toda a região, sendo os outros seis mil quilômetros quadrados divididos entre Faixa de Gaza e Cisjordânia. Israel faz limites com o Líbano, ao norte; com a Síria, a noroeste; com a Jordânia, a leste e sudeste; e o Egito, a sudoeste. Essa região é banhada pelo Mar Mediterrâneo, mas um pequeno trecho, ao sul, é banhado pelo Mar Vermelho, através do Golfo de Ákaba. A capital do Estado de Israel é Tel Aviv, e não Jerusalém, como muitos pensam. A cidade que funciona como capital informal da Faixa de Gaza é a Cidade de Gaza, hoje (2009) dominada pelo grupo radical islâmico Hamas. A Cisjordânia é comandada pela Fatah, organização criada por Yasser Arafat, hoje comandada por Mhamoud Abbas. A Cisjordânia mantém relações com Israel, o qual ocupa a região, ao contrário de Gaza, que se afastou das negociações com os judeus. De qualquer forma, as questões políticas da região são tão instáveis que não merecem ser tratadas pormenorizadamente neste ensaio, justamente porque variam com frequência impressionante.       

 A história envolvendo palestinos e judeus teve início por volta de dois mil anos antes de Cristo. A região onde hoje se encontra o Oriente Médio foi inicialmente ocupada pelos hebreus, nome dado aos antigos judeus, retratados na Bíblia, os quais ocuparam a região, procedentes da Macedônia. Segundo a história bíblica, Deus teria doado a “Terra Prometida” (Palestina) aos hebreus, através de um pacto que fez com Abraão, o patriarca deles. Por tudo isso, os judeus se dizem os donos da terra, afinal ela foi um presente do Criador. Acontece que quando a terra foi doada ela já estava habitada por cananeus, jebuseus, filisteus e outros mais, região que era conhecida por Canaã, a terra de Cam, dos cananeus. A exemplo de várias outras localidades do Oriente Médio, a Palestina, no decorrer dos séculos da história, foi dominada por diferentes povos, como os assírios, os babilônios, persas (antiga Pérsia, atual Irã), macedônios, romanos, árabes, otomanos etc.

 Do ponto de vista religioso, levando-se em conta o relato bíblico, o conflito começa quando Noé (o da arca) embriagou-se e puniu o seu filho Cam, que o havia visto nu e feito chacota dele, amaldiçoando-o e colocando-o contra os irmãos Sem (de quem originou os semitas, hebreus e hoje judeus) e Jafé. Cam foi expulso de sua terra pelo próprio pai e foi morar justamente em Canaã, dando origem aos cananeus que, segundo alguns historiadores, seriam os árabes de hoje. Grosso modo, os árabes-palestinos alegam que a Palestina é sua propriedade, pois quando os judeus lá chegaram, os seus antepassados tinham a posse. Numa visão jurídica sobre o tema, é como se os judeus reivindicassem a terra alegando domínio (propriedade), já que ela foi doada ao seu patriarca Abraão por ninguém menos que o Criador do universo, cujo documento é a Bíblia, que na religião judaica traz o nome de Torah (o Pentateuco dos cristãos). Os árabes, por sua vez, reivindicam a terra alegando a posse que era mantida pelos cananeus, seus antepassados, filhos de Cam.

 Para os árabes, o argumento de que a terra palestina teria sido doada por Deus aos hebreus não faz o menor sentido, já que o Deus deles é Alá, retratado no Alcorão. Mas o fato é que, segundo a Bíblia, os hebreus, através de José, filho de Jacó e Raquel, o qual foi vendido pelos irmãos a mercadores egípcios, entraram no Egito e lá, depois de José ter gozado de todas as benesses do Faraó, em razão de seu poder de desvendar sonhos, foram escravizados por mais de 400 anos. Deus se apiedou deles e convocou Moisés para liderar a primeira diáspora, livrando-os da escravidão egípcia, o conhecido Êxodo, título do segundo livro bíblico, que trata do deslocamento dos hebreus, que saíram do Egito rumo a Canaã, a “Terra Prometida” (hoje Palestina), que já era habitada pelos cananeus, prováveis antepassados dos árabes.

 O último livro do Pentateuco, Deuteronômio, trata da entrega da Terra Prometida aos hebreus, que viajaram durante 40     anos pelo deserto. Os cananeus, jebuseus e outros povos que lá estavam teriam sido dizimados. Somente por volta de 1006 a 966 a.C., durante o reinado do rei Davi, é que surgiu, de fato, um Estado Hebreu, tendo sido toda a Palestina conquistada, passando Jerusalém a ser a capital.      

 Por volta de 935 a.C, esse Estado separou-se em dois reinos: as dez tribos do norte formaram o reino de Israel e duas tribos do sul, o reino de Judá. Com essa divisão, os hebreus (judeus) ficaram com suas forças reduzidas, sendo conquistados pelos assírios e, posteriormente, pelos babilônios.

 Muito tempo depois (mais ou menos 538 a.C), os persas (hoje iranianos), derrotaram os babilônios, o que permitiu que os judeus retornassem à região da palestina. Após esse fato, a Palestina foi dominada por macedônios, egípcios e romanos, respectivamente.

 Os hebreus, no início da era cristã, revoltaram-se contra a dominação romana, sendo novamente expulsos da Palestina e se espalharam por várias regiões do então Império Romano, fenômeno que ficou conhecido como a segunda Diáspora, o que contribuiu para que esse povo se espalhasse por todo o mundo, habitando países da Europa, do próprio Oriente Médio, da África, Ásia e, mais tarde, das Américas. Na verdade, foi a partir daí que os hebreus passaram a ser chamados judeus.

 Com o advento dessa segunda diáspora (a primeira foi a saída dos hebreus do Egito rumo à Palestina), os judeus tornaram-se apátridas (heimatlos), mas mantiveram vivas as suas principais tradições culturais, alimentando o velho sonho de retornar à Terra Prometida (Palestina), reivindicando os seus direitos históricos sobre a região, já que se consideravam os seus verdadeiros “donos”, remanescentes do reino de Davi, o povo a quem Deus prometeu Canaã, a denominada “Terra Prometida”.

 O povo hoje considerado palestino foi formado, na sua essência, pela civilização árabe, a qual deixou como herança à grande maioria dos povos que habita a palestina, a língua árabe e a religião muçulmana. Dessa forma, o atual povo palestino é composto, basicamente, de árabes, e professa a fé islâmica. Após a segunda diáspora, os palestinos ocuparam a região deixada pelos judeus, motivo pelo qual reivindicam a posse, utilizando como argumento os direitos adquiridos pela longa e contínua ocupação do território. Somente a partir do século XX, esses árabes passaram a ser chamados de palestinos.

 Esse nome “palestina” origina-se do grego philistia, que se refere aos filisteus, os mais antigos habitantes da região. Com a dominação romana, tal palavra foi traduzida para o latim, transformando-se em palestiniae, que na língua portuguesa transformou-se em palestina.

 Mais tarde surge o Império Bizantino, que nada mais é do que o antigo Império Romano no Oriente. Um dos imperadores mais famosos do período foi Justiniano. O nome “Bizantino” origina-se da cidade turca de Bizâncio, mais tarde conhecida por Constantinopla, hoje Istambul. Naquela cidade residia a sede do Império Bizantino.  

 

No século VII um exército árabe-muçulmano tomou a cidade de Jerusalém do Império Bizantino e permitiu a volta dos judeus à cidade. Durante os séculos VII ao XII os árabes dominaram, num período conhecido como a “Idade de Ouro”. Durante esse tempo os judeus constituíam uma minoria tolerada.

No período entre 1493 a 1924, o Império Otomano domina a região da Palestina, que se torna uma província periférica do sultão de Istambul (antiga Constantinopla), na Turquia. Os judeus sionistas (movimento que pretendia retomar a “Terra Prometida”) começaram a chegar à Palestina somente no final do século XIX.

Com o final da I Guerra Mundial (1914/1918), a Inglaterra (Grã-Bretanha) ficou com a Palestina na divisão do Oriente Médio entre os vencedores. Aí começam os primeiros choques entre árabe-palestinos e judeus.

Assim, os vários conflitos que ocorrem entre judeus e árabes na região da palestina, caracterizam-se, basicamente, pela luta entre um povo que se julga com direitos históricos sobre a região, por ter sido um dos seus primeiros habitantes (os judeus), e outro que se julga com direitos adquiridos pela longa e contínua ocupação (os árabe-palestinos). Essa ocupação dos palestinos foi bastante acentuada e duradoura, justamente durante a segunda diáspora, período que se iniciou com a Era Cristã e perdurou até a criação do Estado de Israel, em 1948, logo após a II Guerra Mundial.

 Depois dessa síntese sobre a ocupação da região palestina por cananeus, hebreus, judeus e, posteriormente, por árabes, é importante que se faça uma digressão a respeito da II Guerra Mundial (1939/1945), evento de extrema importância para o conflito, principalmente para a vida dos judeus, e que ajudará a compreender melhor os embates até hoje existentes.    

 Nesse contexto, surge a figura de Adolf Hitler e, junto com ele, o Nazismo. Num pequeno intervalo de tempo, seis milhões de judeus foram mortos, vítimas da sandice de um homem que via nesse povo uma ameaça para o mundo, já que estaria dominando o comércio na Europa.

 Hitler, ao contrário do que muitos acreditam, era austríaco, e não alemão. Mas foi no comando da Alemanha que o füher pôde colocar em prática toda sua ira contra os judeus.  À época, os judeus haviam se espalhado pelo mundo, resultado da diáspora, e conquistaram posição de destaque como industriais, banqueiros e controlando meios de comunicação, entre os quais revistas e jornais. Hitler via nisso uma ameaça à humanidade, imaginando que eles pudessem dominar o mundo através da influência que exerciam.

 Em sua autobiografia, Minha Luta, Hitler descreve todo o seu ódio contra os judeus e, sob o sádico argumento de criar uma raça pura (ariana), considerou-os uma raça inferior, motivo que o levou a ordenar a prisão em campos de concentração de milhares de homens, mulheres e crianças, utilizados como cobaias para terríveis experiências científicas.

 Quando os Aliados (países que se insurgiram contra a Alemanha nazista e a Itália fascista, durante a II Guerra Mundial), liderados pelos Estados Unidos, conseguiram derrotar a Alemanha, o mundo tomou conhecimento de uma das maiores tragédias já cometidas contra um povo, na história da humanidade. Seis milhões de judeus haviam perecido sob a suástica do nazismo, vítimas da mente diabólica de um homem que via os judeus como ameaça a ser estancada.

 Terminada a guerra, o mundo se deparou com milhares de judeus abandonados e apátridas. O que fazer? Os judeus sentiram que essa era a oportunidade de concretizar a ideia que já fazia parte das reivindicações sionistas desde o século XIX: a criação de um Estado próprio na “Terra Prometida”, a Palestina. Grande parte do mundo apoiou tal ideia, já que os judeus eram perseguidos em quase todos os lugares. Essa perseguição aos judeus ficou conhecida como pogroms, na Rússia.

 Em 1917, a Grã-Bretanha, através do seu ministro do exterior, James Balfour, deu total apoio à criação de um Estado Judeu. Durante muito tempo, a Grã-Bretanha, considerada a maior potência mundial da época, administrou a região da Palestina, tentando solucionar os conflitos entre árabes e judeus (que já contavam com 30% dos habitantes da Palestina). Com as atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial, a ideia se consolidou e, em 1947, ao mesmo tempo em que saía da região, a Grã-Bretanha transferia o problema para a recém criada ONU – Organização das Nações Unidas.

 A Grã-Bretanha, como se sabe, é hoje formada pela Inglaterra, Escócia e País de Gales. A Inglaterra, devido ao poder econômico e por fazer parte do grupo das oito maiores potências mundiais (G-8), é o principal país da região. O Reino Unido é formado pela Grã-Bretanha, mais a Irlanda do Norte.

 Em novembro de 1947, a ONU apresentou uma proposta para que fosse colocado em prática um plano de partilha da Palestina, dividida em dois estados, um árabe (que seria ocupado pelos árabes-palestinos), e outro judeu. Nessa divisão, Jerusalém passaria a gozar de reconhecimento internacional, em vista de sua importância histórica e religiosa. Dali em diante, seria administrada pelas Nações Unidas. Nessa partilha, o Estado Judeu ficaria com 56,5% do território da Palestina e os árabes ficariam com cerca de 42,9%. Da forma que foi feita, a partilha acarretou um impasse, havendo casos em que muitos árabes, apesar de estarem em sua região, acabaram ficando dentro do Estado Judeu e vários judeus ficaram em território árabe. Nem é preciso dizer o tamanho do problema que se criou.   

 Jerusalém é uma cidade que merece destaque em todo esse imbróglio. A escritora e historiadora Karen Armstrong, no seu livro Jerusalém: Uma Cidade, Três Religiões, traz um relato completo sobre toda a mística que envolve essa terra sagrada. Para judeus e árabes, trata-se de uma cidade santa, onde locais considerados sagrados são disputados palmo a palmo.

 A Intifada (levante de palestinos contra judeus) ocorrida em setembro de 2000 foi provocada por uma visita do então candidato a primeiro ministro de Israel, Ariel Sharon (que foi eleito), ao Muro das Lamentações, localizado em território árabe-palestino. Isso causou revolta entre os fiéis, resultando em uma série de confrontos.

 Nos vários séculos de existência da cidade de Jerusalém, esta foi destruída e reconstruída diversas vezes, governada por personagens bíblicos como o rei Davi e seu filho Salomão. Muitos povos já exerceram o controle da histórica cidade, cobrindo-a por uma aura mística, envolvendo cristãos, muçulmanos e judeus.

 Com relação à partilha da Palestina, proposta pela ONU, tal deveria ocorrer em maio de 1948, oportunidade em que os britânicos (que administravam a região) deveriam abandoná-la. A Assembléia Geral das Nações Unidas votou e aprovou o plano, sendo proclamado o Estado que passou a se chamar Israel (nome que, na Bíblia, foi dado a Jacó por Deus).

 Insatisfeitos, os árabes-palestinos e outros árabes de países vizinhos, haviam declarado que se isso acontecesse, iriam à guerra para fazer valer os seus direitos. A partir daí, os habitantes de Israel passaram a ser denominados israelenses.

 É comum haver confusão entre etnia, nacionalidade e religião. O termo árabe designa uma etnia, ou seja, povos que se unem por razões linguísticas e culturais. Existem povos da etnia árabe em vários países. Já o termo muçulmano designa aquele que professa a fé islâmica, que é adepto do islamismo. Nem todo árabe é muçulmano, como normalmente se imagina.  O termo palestino, assim como israelense, libanês ou iraniano, designa a nacionalidade, o local de nascimento. A Palestina não é um país, com fronteiras e soberania definidas, mas é uma nação, do ponto de vista jurídico, já que reúne pessoas com costumes e tradições comuns. Sendo assim, pode haver, por exemplo, uma pessoa de etnia árabe, nacionalidade iraniana e que professa a fé cristã; ou, ainda, um israelense de etnia árabe e que professa o judaísmo; ou, também, um palestino de etnia persa e cristão; ou, também, um iraniano de etnia árabe e muçulmano, o que é mais comum. De igual forma, o normal é que o israelense seja de etnia semita e professe o judaísmo, mais isso não implica dizer que não haja um israelense árabe, como de fato existe.  E essa “salada” étnico-religiosa-nacional, como se percebe, aumenta ainda mais a dificuldade em se encontrar uma solução pacífica para a região, já que os interesses políticos, ideológicos e religiosos são bastante complexos.

 Por diversas razões, os árabes-palestinos não concordaram com a partilha proposta pela ONU, tornando-se, por isso, apátridas. Resolveu-se o problema dos judeus e criou-se outro de igual proporção. Os árabes-palestinos se julgavam os proprietários da terra, alegando que durante anos ocuparam a região. A partir daí, muitos conflitos aconteceram e o primeiro no mesmo ano da criação de Israel, em 1948, estendendo-se até 1949. Nesse conflito, cinco países árabes, Líbano, Síria, Egito, Iraque e Jordânia, atacaram Israel com os seus respectivos exércitos.  Além desses países, juntou-se à guerra o Exército de Libertação Árabe, formado por árabes da própria Palestina.  De início, os árabes levaram vantagem no entrevero, mas a situação mudou gradativamente e os israelenses venceram no final.

 Terminado o conflito, em 1949, muitas mudanças haviam acontecido nas fronteiras da Palestina. O Estado Árabe, de acordo com o que havia sido proposto pela ONU, em 1947, deixou de existir, tendo parte dele sido incorporado por Israel e o restante por outros países árabes. Para agravar ainda mais a situação, Jerusalém, que pelo projeto da ONU deveria ser internacionalizada, dividiu-se em duas partes: uma sob o domínio dos judeus (o setor ocidental), e outra sob o domínio da atual Jordânia (o setor oriental).

 Em que pese a vitória de Israel, que havia realizado o sonho pregado pelo movimento sionista, um novo drama começava para os árabes que já habitavam a Palestina e que, a partir daí, ficaram sem um território nacional. Nesse momento, surge a chamada Questão Palestina, que se caracteriza pela luta do povo árabe da Palestina em busca de sua identidade nacional.

 Após esse conflito, um outro teve início em 1956, quando o Egito resolveu nacionalizar o Canal de Suez, envolvendo franceses, britânicos e israelenses, que tinham interesses comerciais no Canal. O Egito pretendia fechar a passagem do Canal para os israelenses, impedindo que qualquer navio chegasse ao país, proveniente do Mar Vermelho. É importante destacar que a maior parte do petróleo importado pelos judeus era transportada por via marítima.

 Após uma humilhante derrota militar sofrida pelo Egito, aumentou ainda mais o abismo que separava o povo árabe de Israel. Apesar de (ou justamente por) localizar-se o Egito ao norte da África, essa proximidade com o Oriente Médio faz com que o seu envolvimento político seja inevitável. 

 Em junho de 1967 aconteceu o conflito que gerou consequências sentidas até hoje na região palestina: a Guerra dos Seis Dias. Depois que o Egito foi derrotado pelos exércitos francês, britânico e israelense, tentou passar uma demonstração de força junto ao mundo árabe, deslocando tropas para a Península do Sinal, próximo à fronteira com Israel. O governo egípcio também exigiu a retirada das forças de paz da ONU, que, desde o conflito de 1956, estavam em seu território, e ameaçou fechar novamente o Estreito de Tiran (próximo ao Canal de Suez), impedindo que navios se aproximassem de Israel.

 Essa atitude do Egito criou uma grande euforia no mundo árabe. Imbuídos pelo ódio e ante a oportunidade de tomarem o Estado de Israel, planejaram o ataque. Inesperadamente, a resposta do Estado Judeu foi enérgica, atacando de surpresa o Egito, a Jordânia e a Síria. O fator surpresa e a eficiência da ação acabaram com o conflito em apenas seis dias (de 5 a 10 de junho de 1967), daí a denominação do embate.

 Nessa guerra, Israel conquistou as seguintes áreas: do Egito, a Faixa de Gaza e Península do Sinai; da Jordânia, a Cisjordânia e o setor oriental de Jerusalém; da Síria, as Colinas do Golã.

 Como se não bastasse os árabes terem perdido mais uma guerra, ainda sofreram a perda de boa parte de seus territórios. Com o ódio crescente, um novo conflito poderia acontecer a qualquer momento. E ele veio em outubro de 1973, com a Guerra de Yom Kippur. Apesar de ter saído vencedor do conflito anterior, Israel sofria muita pressão por parte de alguns países do Ocidente e da própria ONU, para que devolvesse os territórios conquistados na Guerra dos Seis Dias. Com a recusa israelense, aumentava o desgaste deste país que até então gozava de prestígio junto ao restante do mundo. A situação agravou-se ainda mais com a política de colonização posta em prática por Israel nos territórios ocupados.

 A Síria e o Egito pretendiam recuperar seus territórios perdidos, recusando qualquer espécie de acordo com Israel. Assim como o Egito mantinha um bom relacionamento com os Estados Unidos, a Síria estreitava seus laços com a ex-União Soviética, numa época em que o mundo vivia sob a tensão da Guerra Fria.

 Foi nesse clima que em 6 de outubro de 1973 começou uma nova guerra entre árabes e judeus. No dia em que se comemorava o feriado religioso judaico do Dia do Perdão (Yom Kippur), os exércitos sírio e egípcio atacaram Israel.

 A Síria conseguiu reconquistar quase toda a região das Colinas do Golã, e as forças egípcias retomaram o Canal de Suez, chegando a conquistar quase toda a faixa desse Canal, que fica na Península do Sinai e era controlado desde 1967 (Guerra dos Seis Dias) pelos israelenses.

 Israel teria amargado uma terrível derrota, não fosse o fundamental auxílio dos Estados Unidos. Foi montada pelos norte-americanos uma verdadeira ponte aérea, onde se transportavam grandes quantidades de armamento, repondo, nesse aspecto, as perdas sofridas pelos judeus.  Com isso, Israel conseguiu conter o avanço árabe. Inicialmente, os sírios foram novamente expulsos das Colinas do Golã. Depois, retomaram o Canal de Suez. A partir desse momento, colocou-se em prática a diplomacia das superpotências da época (EUA e URSS), que concordavam com um imediato cessar-fogo supervisionado pela ONU. Também não era interessante para ninguém uma nova derrota egípcia, o que contribuiu para que aumentasse a pressão contra o governo israelense, impedindo-o de ampliar mais ainda suas conquistas.

 De início, houve uma resistência por parte de Israel, mas com a ameaça feita pelos EUA de cortar o envio de armamentos e correndo o risco de sofrer uma intervenção soviética, decidiu concordar.

 Importantes negociações foram feitas mais tarde, culminando com a devolução da Península do Sinai ao Egito. No entanto, a Faixa de Gaza ainda permaneceu por muito tempo sob o domínio israelense.

 Quem mais perdeu com o conflito foi a Síria, já que as Colinas do Golã foram definitivamente anexadas ao território israelense. Para complicar, diversos assentamentos judeus foram construídos nesse território, aumentando ainda mais os confrontos.

 Os conflitos de hoje são alimentados pela recusa de Israel em devolver as terras conquistadas durante a Guerra dos Seis Dias e desfazer os assentamentos judeus da região árabe-palestina, além da reivindicação de um Estado Árabe independente, aos moldes de Israel.

 A OLP – Organização para a Libertação da Palestina, foi criada em 1964. Em 1969, Yasser Arafat assumiu a liderança dessa Organização. Em 1974, quando Arafat falou pela primeira vez à Assembléia Geral da ONU, a OLP foi admitida como “observador permanente” daquela região.

 

No livro Oriente Médio: Uma Região de Conflitos, Nelson Bacic Olic nos dá uma boa noção sobre a criação da OLP:

 

“Quando ocorreu a guerra de independência do Estado Judeu (1948/1949), a Palestina ficou dividida entre Israel, Egito e Jordânia. Com isso, parte da população árabe que habitava a Palestina ficou dentro do Estado de Israel e outra parte buscou refúgio em vários países árabes próximos (Líbano e Jordânia, principalmente. 

 Os palestinos que ficaram em Israel foram considerados cidadãos de segunda classe e, por isso, discriminados. Os que migraram para os países vizinhos não tiveram melhor sorte. Grande parte passou a viver em campos de refugiados, alguns mantidos por organismos da ONU. Portanto, mesmo nos países árabes, os palestinos sofreram, de alguma forma, discriminação.

 Durante quase toda a década de 50, a insatisfação dos palestinos com a situação de ser um povo sem terra levou-os a fazer ataques esporádicos contra Israel. No entanto eles ainda não tinham uma organização que definisse, de modo claro, seus objetivo e suas estratégias de luta. Só em 1959 é que surgiu a primeira organização voltada para a criação de um estado palestino – a Al Fatah, liderada por Yasser Arafat, um engenheiro nascido em Jerusalém

 Desde o início a Al Fatah definiu-se como antissionista, anti-imperialista e com objetivo de criar um estado laico e democrático na antiga Palestina. Em 1964, com o patrocínio de vários países árabes como o Egito, Argélia e Tunísia, era criada a OLP, que englobaria a Al Fatah e todos os pequenos grupos palestinos existentes. Em sua carta de fundação a OLP destacava os seguintes pontos: a) a Palestina é a pátria do povo palestino, parte indivisível da vasta pátria árabe, e o povo palestino é parte da nação árabe; b) ao povo palestino assistem direitos legais a sua terra natal, onde, libertada a pátria, exercerá a autodeterminação segundo sua vontade; c) a luta armada é o único caminho para libertar a Palestina; d) a libertação da Palestina é dever nacional, necessária para repelir a agressão sionista e imperialista contra a vasta pátria árabe. Ela tem por meta a eliminação da presença sionista na Palestina; e) a partilha da Palestina em 1947 e a criação de Israel são inteiramente ilegais, independentemente do decorrer do tempo, porque foram contrárias à vontade do povo palestino e ao seu direito natural à pátria; f) o povo árabe-palestino, atuando na revolução armada palestina, rejeita qualquer solução que não a libertação total da Palestina.

 Ficava claro que a OLP estava vinculada ao conjunto do mundo árabe e pregava a luta armada e a destruição de Israel. A partir de 1965 teria início sua ação guerrilheira e, também, as consequentes represálias israelenses, fatos que se verificam cada vez mais frequentemente”. 

A OLP mudou sua estratégia, tornando-se diplomática e aberta ao diálogo, deixando de lado alguns dos pontos radicais, que a transformavam em uma Organização de cunho terrorista e revolucionário. Foi reconhecida pela ONU, que a partir daí passou a ter relações diplomáticas com outros países. Yasser Arafat se firmou como seu líder, espécie de presidente do povo palestino.

 No final dos anos 80 houve uma grande Intifada. Essa revolta durou mais de dois anos e deixou um rastro de morte. A Intifada, de certa forma, serviu para que uma nova ofensiva diplomática fosse tomada na região, fazendo com que, em 1988, o Conselho Nacional Palestino (parlamento do Estado Palestino no exílio), decidisse os seguinte pontos: 

“a) condenar e rejeitar o terrorismo em todas as suas formas; b) aceitar as resoluções da ONU, adotadas desde 1947; c) participar de uma conferência internacional de paz promovida pela ONU e com a participação de todas as partes interessadas na solução da questão palestina; d) estabelecer um estado independente na Palestina (Faixa de Gaza e Cisjordânia), além de aceitar a existência de Israel como um dos estados soberanos da região; e) buscar uma solução para o problema dos refugiados palestinos”.  

Como se sabe, essas questões não foram cumpridas à risca. Os conflitos e mortes continuam, tanto do lado palestino quando do lado judeu. Israel muitas vezes se recusa a aceitar o diálogo com a OLP, por considerá-la formada por um grupo terrorista. Esta acusa os israelenses de massacrar o seu povo e insiste em que Israel retire os assentamentos de judeus do território palestino. Além disso, há também a questão de Jerusalém, com seus lugares sagrados e sendo disputada veementemente pelos dois lados. Outro ponto é a recusa de Israel em devolver parte do território conquistado dos árabes durante a Guerra dos Seis Dias.  

Os palestinos e judeus são responsáveis por uma das maiores preocupações do mundo atual. Várias tentativas já foram feitas, no sentido de estabelecer a paz na região. Trata-se de um problema secular, envolvendo paixões e fanatismos de conotações religiosas fortíssimas. Grande parte dos palestinos e judeus se odeia desde os primeiros anos de vida, um ódio alimentado por várias gerações e repassado por outras tantas.  

O escritor israelense de grande prestígio, Amós Oz, declarou que a única solução para o conflito é a criação de um Estado Palestino independente, soberano, assim como Israel. Mesmo assim, diz ele, não seria a garantia total da paz entre esses dois povos. Seria, na verdade, uma forma de amenizar e diminuir, acentuadamente, os confrontos. Não se trata apenas de uma guerra política, uma mera batalha pela disputa de fronteiras e territórios. Trata-se de paixões exacerbadas, transformadas em fanatismo político-religioso. São questões que envolvem muito sentimento.  

Se os judeus consideram a Palestina a “Terra Prometida”, os palestinos a consideram como lar. Durante muitos séculos     ocuparam-na, adotando-a como capital santa.  

O mais intrigante é o paradoxo existente nessa região. A fé da qual julgam possuidores é justamente o principal motivo utilizado por judeus e palestinos para, em nome de Deus, matarem seus semelhantes de forma violenta e irracional. Nunca houve, naquela região, desde a sua existência, um único momento de verdadeira paz.  

Como conseqüência do apoio americano aos judeus, o mundo assistiu, na manhã de 11 de setembro de 2001, o maior ataque terrorista da história da humanidade. As duas gigantescas torres gêmeas do complexo de prédios World Trade Center, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, foram atingidas por dois aviões sequestrados por terroristas árabes, matando milhares de pessoas. Outro avião atingiu o Pentágono, centro da inteligência militar americana, causando outras mortes.  

No final do ano de 2008 e início de 2009, o grupo radical islâmico Hamas, que estava no controle da Faixa de Gaza, atacou Israel, que revidou de forma desproporcional, matando mais de 1300 pessoas em pouco mais de um mês, cuja maioria era civil. Os capítulos da história sanguinária desses dois povos são narrados todos os dias, qual uma novela sem fim.  O enredo é sempre o mesmo: sangue e lágrimas.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ARMSTRONG, Karen, Jerusalém: Uma Cidade,Três Religiões, Companhia das Letras.

OLIC, Nelson Bacic, Oriente Médio: Uma Região de Conflitos, Editora Moderna.

YEDDA, Maria, O Oriente Médio e o Mundo Árabe, Brasiliense.

SALEM, Helena, O Que é a Questão Palestina, Brasiliense.

YAZBEK, Mustafá, O Movimento Palestino, Mercado Aberto.

 AKCELRUD, Isaac, O Oriente Médio, Unicamp/Atual, Coleção Discutindo a História.  

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES nasceu em Dianópolis, Estado do Tocantins, no dia 15 de dezembro de 1970. Formou-se na Faculdade de Direito de Anápolis, Estado de Goiás, no ano de 1996.  Retornou ao Tocantins no início de 1997, vindo a residir em Palmas, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete parlamentar. No mesmo ano casou-se com a bióloga Lêda Aires, com quem tem dois filhos, Eduardo e Ricardo.  Em 1998 foi nomeado chefe de gabinete da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Tocantins. Em 1999 foi nomeado assessor jurídico de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, cargo que ainda ocupa. É titular das cadeiras nº 08, da Academia Tocantinense Maçônica de Letras, e nº 16, da Academia Palmense de Letras. É articulista-colaborador do Jornal do Tocantins desde 1993, e autor dos livros ARTIGOS E CRÔNICAS, OS IMPOSTORES, A EVOLUÇÃO DA DESCRENÇA, IDEIAS NO CIO e LIVROS SANGRENTOS. Ministra a palestra PARA ENTENDER O CONFLITO ENTRE ÁRABES E JUDEUS. Em parceria com Lêda Aires, sua esposa, organizou o livro TEXTOS ANARQUISTAS, obra que reúne diversos escritos raros de autores como Oscar Wilde, Mikhail Bakunin, Leon Tolstoi, Emma Goldman, entre outros.

E-mail: dibeleno@yahoo.com.br

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras.

 

       

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