NOMES VEXATÓRIOS

 Dídimo Heleno Póvoa Aires*

 06/10/2003

 François-Marie Arouet é o nome de um grande filósofo. Mas foi com o famoso pseudônimo “Voltaire” que ele ficou conhecido. Muitas pessoas mundo afora foram registradas com o “apelido” do ilustre francês, a título de homenagem. O nome é a “marca” da pessoa. É através dele que nos tornamos conhecidos. Sendo assim, cabe aos pais a responsabilidade de registrar os filhos com nomes que não lhes causem constrangimentos. Mas nem todos são assim tão diligentes.

 O meu amigo Lauro Augusto Moreira Maia, ao presentear-me com a obra Direito Civil – Teoria Geral, do jurista Sílvio de Salvo Venosa (Atlas, 5ª edição), fez questão de mostrar-me  os comentários que o autor faz sobre a possibilidade de alterar o nome e o prenome em casos que ridicularizam quem os possui.

 É a própria lei que prevê os casos de substituição do prenome, caso seja ele ridículo. Ou pode ser modificada, também, a combinação de todo o nome. Diz o jurista que “deve o juiz impedir o registro de nomes que exponham seus portadores ao riso, ao ridículo e à chacota da sociedade”. Tornaram-se clássicos os exemplos trazidos por Washington de Barros Monteiro, tais como Oderfla (Alfredo, às avessas), Valdevinos, Rodo Metálico e o já célebre Himeneu Casamentício das Dores Conjugais. Nesses casos, além do prenome, deve ser substituído todo o nome, por ser um conjunto de mau gosto explícito.

Apesar dos cuidados que a lei confere ao Registro Civil, a imprensa, tempos atrás, divulgou uma lista de nomes curiosos, para não dizer escabrosos, retirados do arquivo do antigo INPS, os quais autorizariam, sem sombra de dúvida, a sua imediata mudança por via judicial. Em sua já citada obra, Sílvio Venosa traz alguns nomes dessa relação (pág. 150): Antônio Dodói; Antônio Manso Pacífico de Oliveira Sossegado; Antônio Noites e Dias; Antônio Treze de Julho de Mil Novecentos e Dezessete; Céu Azul do Sol Poente; Dezêncio Feverêncio de Oitenta e Cinco; Graciosa Rodela; Inocêncio Coitadinho; João da Mesma Data; João Cara de José; Casou de Calças Curtas; Joaquim Pinto Molhadinho; Lança Perfume Rodomedálico da Silva; Leão Rolando Pedreira; Manuelina Terebentina Capitulina de Jesus do Amor Divino; Maria Passa Cantando; Neide Navinda Navolta Pereira; Pedrinha Bonitinha da Silva; Remédio Amargo; Rolando Pela Escada Abaixo; Sossegado de Oliveira; Último Vaqueiro; Um Dois Três de Oliveira Quatro, e Vitória Carne e Osso. O que leva pais a batizarem os filhos com tais nomes é um mistério que persiste. Não fosse a credibilidade de que goza o civilista, pensaríamos tratar-se de mera jocosidade de gosto discutível.

 Um caso em particular chama a atenção. É o de Restos Mortais de Catarina. Sim, este é o nome de uma pobre moça. Sua mãe, que se chamava Catarina, morreu durante o parto da filha. O pai, diante do trágico acontecimento, batizou a menina com o que julgava ser a “sobra” de sua esposa, ou seja, seus restos mortais. Como se não bastasse a extrema insensibilidade, ainda resta um bom tanto de morbidez.

 Para quem possui um nome que lhe traga constrangimentos, é bom saber que não é necessário aguardar a maioridade para alterá-lo. Basta que esteja assistido ou representado, conforme o caso. A Lei nº 9.078/98, dos Registros Públicos, traz, no parágrafo único do artigo 55, a seguinte redação: “Os oficiais do Registro Civil, não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente”.

 Se a muitos pais falta sensatez na hora de escolher o nome dos filhos, cabe ao oficial do Registro Civil impedir que isso aconteça. Infelizmente, em muitos casos, também carecem de bom senso os servidores da Justiça. Mas devem ser respeitadas as preferências, como se vê naquela conhecida anedota: o sujeito se chamava “Antônio Fezes”. Inconformado, procurou auxílio jurídico para ter o nome  modificado para “Pedro Fezes”. O seu problema era o Antônio e não as fezes. Nesse caso, obviamente, não seria possível fazer a alteração. Alguns chegam mesmo a ser obscenos, como Jacinto Pinto Aquino Rego e Manoel Botelho Pinto, por exemplo. Nomes vexatórios podem ser modificados, mas somente quando o portador assim o desejar.

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.    

 

       

Sair