FILHOS. MELHOR NÃO TÊ-LOS?

 

 

 Dídimo Heleno Póvoa Aires*

16/10/2003

 

“Mulheres são seres de cabelos longos e idéias curtas”. “Casar é perder metade de seus direitos e duplicar seus deveres”. Estas são apenas duas das inúmeras frases polêmicas do filósofo alemão Schopenhauer. Outra também chama a atenção: “Filhos? Melhor não tê-los”. Causam, no mínimo, espanto e até uma certa indignação. Mas a terceira – que no título deste artigo inverti, fazendo uma pergunta – levou-me a algumas reflexões.

 

Durante esses seis anos de casamento, eu e minha esposa estamos decidindo se vamos, ou não, ter filhos. Muitos poderão dizer que uma das funções do matrimônio é justamente constituir família. Claro que esse ponto de vista está ultrapassado, uma vez que no mundo de hoje gente custa caro e a vida atribulada exige um pouco de planejamento para tomar uma decisão como essa. No tempo de minha avó, a mulher, além de “pilotar” um grande e medieval fogão à lenha, ainda tinha o dever de ser boa parideira. As famílias, por conta disso, eram numerosas e a subsistência  mantida sem muito ou quase nenhum luxo. Os tempos são outros.

 

Primeiro, é preciso dizer que o casal sem filhos sofre uma pressão danada por parte dos pais, sogro e sogra. “Quando é que vocês vão nos dá um netinho?” – é a frase mais exaustivamente repetida. Como se o ser humano pudesse ser dado, assim, como se fosse um presente a alguém. Até mesmo a nossa tão valiosa masculinidade é colocada à prova. Muitos só acreditam que o cabra é macho depois que procria, como se não existissem inúmeros barbados por aí, “donos” de prole capaz de fazer inveja a qualquer um, mas que não dispensam uma boa fungada no cangote. Definitivamente, o homossexualismo não está diretamente ligado à falta de paternidade.

 

Ademais, nos deparamos diante da cruel incógnita: e se meu filho for gay? E se minha filha se desvirtuar pelos caminhos da vida fácil? E se enveredarem pelos caminhos nefastos das drogas? Obviamente, não tenho nada contra os homossexuais, mas seria hipocrisia dizer que ficaria feliz se um filho meu fosse um. Argumentos não faltam. “A educação é a chave de tudo”, dizem alguns. “O que vale é a criação”, repetem outros. Mas o que percebemos, ao analisarmos os filhos dos outros, é que nem sempre criação e educação resolvem. As informações que são disponíveis hoje, através da internet, além das más companhias e da própria individualidade inerente aos mais jovens, deixam os pais em pé de desigualdade ante este mundão louco em que vivemos. Se o filho for um cidadão digno, bom caráter e honesto, o pai já pode se dar por satisfeito e agraciado pelas bênçãos divinas. A opção sexual pouco importa. 

 

Estou naquela fase de observar os filhos dos outros, numa espécie de laboratório e estágio. E sinceramente, fico arrepiado com o que tenho visto. Pais são tratados, quase sempre, sem a menor consideração ou respeito. A filha aparece grávida de um dia para a noite, o filho coloca um brinco na orelha, um pedaço de osso no nariz, tinge os cabelos de vermelho e azul e sai por aí curtindo a vida. Tudo bem, a juventude de hoje é assim. Mas, as vezes me pergunto se estou preparado para tudo isso. Sinto-me um verdadeiro careta, incapaz de lidar com determinadas situações ultramodernas com as quais somos obrigados a conviver.

 

Além disso, para se ter filhos é necessário, como um governante que assume o poder, optar por uma linha educacional mais conservadora ou liberal. Talvez o meio termo seja o mais recomendável. O problema é que esse tal de meio termo é dificílimo de se conseguir. Espancar os filhos não resolve nada, mesmo por que sou totalmente contra o método, como se não bastasse o Estatuto da Criança e do Adolescente que está aí, à disposição dos rebentos. Uma surra bem dada, hoje em dia, pode levar o pai ou a mãe para o xilindró. Ao mesmo tempo, uma surrinha de vez em quando nunca fez mal a ninguém. Como conciliar tudo isso? Em casos extremos e isolados pode acontecer de filho matar pais, como fez a jovem Suzane Richtofen, numa atitude que chocou o País. Nesse caso, temos que admitir não se tratar de uma regra. Felizmente é a exceção.

 

Muitos conselhos já me foram dados. Dizem que quando temos os nossos filhos, a natureza se encarrega de nos adaptar à nova situação. Quando demonstro minha crônica impaciência com crianças, não raro escuto a profecia: “Deixa estar. Você vai ver quando tiver o seu”. Parece mau agouro. E o pior é que conheço feras que antes pareciam indomáveis, tornarem-se cordeirinhos diante dos filhos, capazes de babar em qualquer situação em que eles demonstrem carinho, mesmo que seja para conseguir o carro ou para descolar uma boa grana do velho, numa deslavada chantagem emocional.

 

De qualquer forma, parece-me que as vantagens são maiores que as desvantagens. Grande parte, pelo menos, dá depoimentos animadores a respeito do amor aos filhos, como único e inimaginável. O problema é que para conferir, é preciso primeiro ser pai. Não dá para se ter uma espécie de adaptação. E a adolescência? Nada pode ser pior do que um rebelde sem causa. Quando me dizem que a melhor maneira de encarar a situação é lembrarmos de que também já fomos assim, eis aí o meu tormento: poucas crianças dão tanto trabalho aos pais como eu dei. E raríssimos os adolescentes que sejam tão horrivelmente insuportáveis como eu fui. Minha maior punição será ter um filho exatamente igual a mim. Rezo para que saiam à mãe.

 

A propósito da frase de Schopenhauer, não passava de um filósofo cético e mau-humorado. Na verdade, estou mesmo tendente a ter um filho. E seja lá o que Deus quiser!

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.    

 

       

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