Nertan Macedo em "Abílio Wolney um Coronel da Serra Geral"

 

 


 

                   

                    Em 1902, Sebastião casa com uma prima, Auta Ayres Cavalcante. Já desfruta, a essa altura, de certo prestígio no Duro. Prestígio político, prestígio individual. É hábil, matreiro, conversador. Além do mais, compra patente de Capitão-Cirurgião da Guarda Nacional. Exerce, ainda, as funções, muito altas para o meio, de Coletor Estadual. Abílio Wolney está em Goiás Velho, sempre afastado da família, da esposa. Sebastião torna-se amante da própria cunhada, mulher de Abílio, Josefa Ayres Cavalcante Wolney. Isso por volta de 1897. Além de amante da cunhada, é Coletor e, agora, também chefe do Partido Democrata na região. Aí começa o estopim: o inventário de Vicente Pedro Belém, amigo de Abílio Wolney.

                    Vicente Pedro Belém era um amigo do coronel Abílio Wolney e morava distante do Duro cerca de seis quilômetros. Fora assassinado no dia 29.12.1917. O matador tinha sido seu cunhado, Zuca Viana. Motivo do crime: Zuca acusava Vicente de querer conquistar sua mulher...

                    ...Sebastião de Brito Guimarães, coletor estadual, resolve impugnar o inventário por sonegação. Em janeiro de 1918 a questão se arrasta e a posição de Sebastião é contestada pelos parentes de Vicente Belém, que protestaram. Mas Sebastião é teimoso.... E Abílio decide enfrentar o assunto.

                    ...Abílio se irrita. Juntamente com o pai, o cel. Joaquim Ayres Cavalcante Wolney e alguns jagunços, vai ao Duro, invade o cartório, segura o juiz municipal Manoel de Almeida, grita bem alto que quer solução rápida para o inventário, bate com o coice da carabina na mesa do magistrado, ameaça, discute, exige - e o juiz, intimidado pelos dois coronéis, pai e filho, e mais os jagunços, cede. Promete atender e despachar o inventário no mesmo dia, nos termos da exigência dos coronéis.

                    Despacha o inventário, porém decide denunciar os coronéis ao governo do Estado, o que faz, juntamente com o coletor Sebastião de Brito Guimarães. A denúncia segue para Goiás Velho. E, com receio de represálias de Joaquim e Abílio, os dois denunciadores, Manoel de Almeida e Sebastião de Brito, retiram-se do Duro. Na expectativa da decisão do governo do Estado, a quem apoiavam.

                    ...Sessenta soldados! Mas as notícias que chegam ao Duro, através de "positivos" e espiões, dão conta de um número bem maior. Os Wolney fortificam a Fazenda Buracão. O Buracão vira uma praça de guerra. Ali se acoitam os mais famosos jagunços regionais. A propriedade do coronel Joaquim é uma praça de guerra. Cangaceiros armados até os dentes.

                    ...O magistrado espírito-santense (que fazia parte da comissão que veio ao Duro a mando do governo de Goiás) é manhoso, é arteiro. Como quem não quer nada, toma uma decisão importante. Quer ir ao Buracão visitar os coronéis Joaquim e Abílio. Vai. É recebido fidalgamente. Comes e bebes dos mais finos e variados. Até uma boa cerveja esfriada. Muito calmo e seguro de si, o dr. Calmon diz aos Wolney a que veio. Veio para pacificar, tranqüilizar o Duro e as famílias, reintegrar as autoridades coagidas pelo trabuco. Pede aos Wolney a restituição do inventário de Vicente Belém, retirado do cartório e levado para o Buracão. O juiz degusta um vinho esplêndido, da adega do coronel Joaquim. Almoça principescamente. Mas é durão, irredutível: quer o inventário de volta.

                    ...Tudo reduzido em miúdos: a paz voltará a reinar com a devolução do inventário. Mas Abílio desconfia. Não está confiante como o velho coronel, seu pai. Também João Correia de Mello, genro de Abílio, não vai na conversa do magistrado de Pouso Alto. Diz para quem quiser ouvir: - Juizinho de merda. A gente podia mesmo era acabar logo com ele.

                    ...Nada do que ficou acertado foi cumprido. De volta ao Duro, o juiz Celso Calmon Nogueira da Gama faz justamente o contrário do que, dizem, prometera aos Wolney no Buracão. Decreta a prisão do pai e filho, Joaquim e Abílio. Expede o mandado.

                    ...Antonio Seixo de Brito, comandando trinta praças, e acompanhado pelos alferes Sales e Catulino, marcha sobre a Fazenda dos Wolney - o Buracão. Acercam-se da casa-grande, onde os moradores ainda estão adormecidos. A missão também não é fácil para o tenente. Ele faz, inexplicavelmente, quatro paradas no trajeto, assim como quem quer meditar na empreitada, antes de levá-la a termo. Mas segue. Decide cumprir a ordem do Juiz.

                    ...-Meu filho, estamos cercados. Abílio escuta, do quarto onde se encontrava, na casa grande do Buracão. Levanta-se às pressas, toma de uma Winchester, calibre 22, apontando-a por uma porta entreaberta. A carabina na mão, o coronel Abílio ouve os gritos do pai num canavial próximo. -Me socorra, meu filho! O coronel Joaquim, com suas barbas brancas e longas, está sendo assassinado a tiros, facadas e coronhadas pela soldadesca do tenente Brito.  ...A voz do velho cala, de repente. E Abílio, de carabina na mão, a porta entreaberta, sente que está consumada a traição do juiz...

 

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