11/01/2005

TELA DA  INFÂNCIA

José Cândido Póvoa *

               Por acaso numa sexta-feira, quando ainda residia em Goiânia, visitando uma galeria de artes, vejo um quadro que retratava a fazenda que fora do meu pai, onde passei muitos e inesquecíveis dias da minha infância  juntamente com meus irmãos. Pelo menos foi essa a impressão que tive. O artista cumpria uma das finalidades da sua existência: provocar os sentimentos abstratos transformando-os em realistas. Paixão pela tela à primeira vista, afinal ela resgatava uma imagem que só eu tenho guardada na memória e que me é transmitida sempre ao coração. Esforço não faltou para adquirir aquele trabalho. Em vão. Já havia sido adquirido por outra pessoa. Aguardava tão somente o pagamento para ser levado por uma pessoa que talvez tenha visto naquela pintura algo semelhante ao que vi (existem pessoas que vêm o mesmo que a gente. É raro, mas existem. Até no amor é assim...) Meu coração insistia em cobrar-me aquela pintura. No domingo, resolvi passar pelo mesmo local, apenas por desencargo de consciência e apaziguar a alma, que no burburinho da cidade grande, sentia saudades da infância feliz, vivida numa pequena cidade do interior, minha querida Dianópolis e sendo muitos daqueles dias, na fazenda Prazeres, a mesma que ao meu ver, estava reproduzida no colorido das tintas. Surpresa imensa quando constatei que lá ainda estava a  tela. Tive dúvida se tratava-se do vidro embaçado ou meu sentido da visão que estava apurado demais (quando as emoções comandam, os olhos às vezes vemos imagens que não existem. Assim...como uma miragem...). Esfreguei bastante os olhos e limpando o vidro da porta, constatei que era verdade: lá estava a tela inteirinha, provocando e resgatando meus sentimentos. Daí à sua aquisição, foi questão de horas. Na  segunda-feira, minha esposa e  meus filhos, sabedores de meu interesse, a trouxeram para minha casa e me  ofereceram como presente de aniversário, que estava próximo. E hoje, longe da minha terra natal, passo horas mirando a fazenda da minha meninice, para a tela transportada. Ali passo o tempo mergulhando em seus riachos, colhendo cajus, puçás, buritis, marmeladas, limas, bananas, muricis e outras frutas do cerrado; aprecio as suas areias brancas em noites de lua cheia; ordenho as vacas e admiro belas serras que a cercam;  aqueço-me ao pé do velho fogão a lenha nas noites mais frias. Afinal, tenho os dias da minha infância vividos na fazenda do meu pai, ao meu dispor e retratados numa tela produzida por um artista plástico que nunca a viu, mas que captou o lugar onde fui muito feliz. Ele, o artista, cumpriu o seu papel e eu,m tento cumprir o meu: não afastar-me dos valores aprendidos no seio da família. A tela, por sua vez, cumpre o seu: diuturnamente oferece-me tudo que quero em relação à minha infância. E vou dependurando no mural da memória os fatos e as fotos de tudo que vivi na minha humilde terra natal. Esse é a regra de quase todos que acreditam nos sonhos e no amanhã. Sou desses. Sou assim. Nasci dessa forma e quero continuar desse jeito.

*Advogado e  poeta (jcpovoa@hotmail.com)

 

       

Sair