11/01/2005
TELA DA INFÂNCIA
Por
acaso numa sexta-feira, quando ainda residia em Goiânia, visitando uma
galeria de artes, vejo um quadro que retratava a fazenda que fora do meu pai,
onde passei muitos e inesquecíveis dias da minha infância
juntamente com meus irmãos. Pelo menos foi essa a impressão que tive.
O artista cumpria uma das finalidades da sua existência: provocar os
sentimentos abstratos transformando-os em realistas. Paixão pela tela à
primeira vista, afinal ela resgatava uma imagem que só eu tenho guardada na
memória e que me é transmitida sempre ao coração. Esforço não faltou
para adquirir aquele trabalho. Em vão. Já havia sido adquirido por outra
pessoa. Aguardava tão somente o pagamento para ser levado por uma pessoa que
talvez tenha visto naquela pintura algo semelhante ao que vi (existem pessoas
que vêm o mesmo que a gente. É raro, mas existem. Até no amor é assim...)
Meu coração insistia em cobrar-me aquela pintura. No domingo, resolvi passar
pelo mesmo local, apenas por desencargo de consciência e apaziguar a alma,
que no burburinho da cidade grande, sentia saudades da infância feliz, vivida
numa pequena cidade do interior, minha querida Dianópolis e sendo muitos
daqueles dias, na fazenda Prazeres, a mesma que ao meu ver, estava reproduzida
no colorido das tintas. Surpresa imensa quando constatei que lá ainda estava
a tela. Tive dúvida se
tratava-se do vidro embaçado ou meu sentido da visão que estava apurado
demais (quando as emoções comandam, os olhos às vezes vemos imagens que não
existem. Assim...como uma miragem...). Esfreguei bastante os olhos e limpando
o vidro da porta, constatei que era verdade: lá estava a tela inteirinha,
provocando e resgatando meus sentimentos. Daí à sua aquisição, foi questão
de horas. Na segunda-feira, minha
esposa e meus filhos, sabedores
de meu interesse, a trouxeram para minha casa e me ofereceram como presente de aniversário, que estava próximo.
E hoje, longe da minha terra natal, passo horas mirando a fazenda da minha
meninice, para a tela transportada. Ali passo o tempo mergulhando em seus
riachos, colhendo cajus, puçás, buritis, marmeladas, limas, bananas, muricis
e outras frutas do cerrado; aprecio as suas areias brancas em noites de lua
cheia; ordenho as vacas e admiro belas serras que a cercam; aqueço-me ao pé do velho fogão a lenha nas noites mais
frias. Afinal, tenho os dias da minha infância vividos na fazenda do meu pai,
ao meu dispor e retratados numa tela produzida por um artista plástico que
nunca a viu, mas que captou o lugar onde fui muito feliz. Ele, o artista,
cumpriu o seu papel e eu,m tento cumprir o meu: não afastar-me dos valores
aprendidos no seio da família. A tela, por sua vez, cumpre o seu:
diuturnamente oferece-me tudo que quero em relação à minha infância. E vou
dependurando no mural da memória os fatos e as fotos de tudo que vivi na
minha humilde terra natal. Esse é a regra de quase todos que acreditam nos
sonhos e no amanhã. Sou desses. Sou assim. Nasci dessa forma e quero
continuar desse jeito.
*Advogado e poeta (jcpovoa@hotmail.com)