PRIMEIRAS CHUVAS EM MINHA TERRA NATAL

 

 José Cândido Povoa*

  01/10/2004

                             Dedico esta crônica às pessoas que guardam no recôndito do coração

                             sua terra natal, por menor que ela seja.

 

            Minha cidadezinha a exemplo de milhares de outras por esse Brasil de meu Deus, está incrustada a poucos quilômetros de uma bela serra, que por sua vez lhe empresta uma paisagem de cartão postal. Talvez por essa beleza e pelo meu amor de filho, tenha guardado na alma a convicção de que os trovões nasciam naquela Serra Geral. E todos os anos, na mesma época, começo para meados de setembro, aquele barulho que lembra coronéis cavalgando sobre as gerais, anunciava à Dianópolis que as chuvas estavam chegando. Descalços, minha rua e eu, esperávamos o momento mágico do ciclo da natureza que mais uma vez iria começar. Minha  encarregava-se do cheiro da terra molhada. Meu coração de criança antevia os anjos que em forma de gotas desciam do céu dependurados numa cortina límpida, transparente, abençoando flores de cajus e frutas da estação e após engravidar a terra quente e fértil, transformava-se em enxurradas para juntos brincarmos como coadjuvantes do tempo. Construíamos pequenas barragens que represavam as águas e meu mundo infantil. Redemoinhos se formavam, espumas se levantavam e se transformavam em pequeno mar. E nós juntos: os anjos, o cheiro da terra molhada e as mãos do inocente construtor e artesão de sonhos. Um descuido apenas e as barragens, as águas represadas, o cheiro da terra molhada, os anjos e meus sonhos desciam ladeira abaixo, desaguando no Córrego Getúlio, que ficava apenas a uma chuva da minha casa. Juntos buscavam um córrego maior, depois um rio mais distante, que por sua vez encarregava-se de entregar ao Rio Tocantins a missão de embala-los até o encontro com o belo Araguaia e juntos entrega-los incólumes ao grande Rio Amazonas, que carinhosamente os despejavam no mar. Os anjos, minha rua e eu nos transformávamos em navegantes dessas águas, profundas e misteriosas. Guiados pelas estrelas conhecemos muitas noites. Juntos, por diversas vezes, vimos a luz nascer como rainha e logo depois entregar-se completamente ao sol. Nos deliciamos e brincamos sobre imensas ondas. Juntos sentimos frio e saudades (como o frio lembra saudade !) e conhecemos ilhas e praias desertas. Numa delas ancoramos e todos os anos aguardamos as águas das próximas primeiras chuvas que haverão de chegar anunciadas pelos trovões nascidos na minha bela Serra Geral. Mas as águas das próximas primeiras chuvas chegarão e não mais contarão com o cheiro da terra molhada e os anjos não poderão brincar com as mãos da criança artesã. E o momento mágico passará desapercebido por quase todos da minha cidade. As águas correrão apenas pela dureza do asfalto que o vulgar progresso encarregou-se de trazer, e, então, as águas não encontrarão mais barreiras, não formarão redemoinhos e não farão mais poesias e não mais encontrarão o Córrego Getúlio, agora destruído pela ambição dos homens comuns e adultos. Somente os anjos continuarão navegando em busca de outras águas e dos meus sonhos, que por serem irmãos, um dia se encontrarão.

 

                                     - publicado no Jornal do Tocantins em setembro/2001-

 

 


JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA, nasceu em Dianópolis, cidade situada no Sudeste do Estado do Tocantins. Ali, no Colégio João d’Abreu, cursou o primário e o curso ginasial. Aos dezoito anos foi para Goiânia, onde residiu por muitos anos, casou-se com Maria Júlia com quem teve três filhos, Leonardo, Leandro e Juliana, e formou-se em Direito. Retornou ao Tocantins no início do ano 2001. No final da década de sessenta foi presidente da Seccional da CENOG – Casa do Estudante do Norte Goiano, em sua terra natal, quando foi realizado o último congresso daquela entidade, que tinha como tema principal a criação do Estado do Tocantins. Esteve depois disso, mesmo residindo em Goiânia, engajado no processo da criação da referira unidade da Federação. Tem várias crônicas publicadas em jornal de circulação estadual e alguns poemas na revista da Academia Brasiliense de Letras. Sendo este livro “Poemas Azuis” a primeira publicação, por inteiro, dos seus poemas, além de vários, gravados em “CD”.

 

  José Cândido Povoa, passou sua infância e adolescência em Dianópolis, quando no seio da família composta pelos maravilhosos pais Pery e Stala, e os irmãos Péricles, Celeste, Carmelita, Cilêde, Denise, Ivone, Maria Helena, Álvaro e Stela Maria, além de Dadinha, descobriu os segredos da natureza, convivendo e vivendo no seu imenso quintal, onde conhecia todos os meandros e que fizeram nascer em seu coração os primeiros poemas. Desde o brotar da mínima e desapercebida flor, dos ninhos de feija-flores e outras aves que ali encontravam abrigo, até as floradas das mangueiras e deliciosos frutos das diversas árvores que compunha aquele local, ele participava. Foi sempre um admirador da bela Serra Geral que circunda sua terra natal e que na sua visão de poeta, faz lembrar um imenso e belo mar. Em muitas tardes de sua infância e adolescência, postava-se num ponto mais alto da cidade para apreciar os raios do por de sol iluminando aquela bela paisagem. Começou a admirar poesias através do seu avô, que também era José Cândido. Hoje residindo em Palmas, continua a curtir as belezas naturais que o Estado do Tocantins oferece. Quem o conhece sabe que sempre está contando e descrevendo em crônicas e poemas, as belezas das serras e rios que compõem o seu passado e presente.