VENDA DE ALMAS

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*  

21/05/2005

 

 

Aqui no Tocantins, como em todos os Estados brasileiros, centenas e centenas de homens já venderam suas almas. Uns, a preço vil. Outros, superfaturaram. Mas o comércio desse material inusitado e, de certa forma, raro, é praticado todos os dias nos porões do Poder. Compra-se alma por muitos motivos: o principal deles é o fisiologismo, o “toma-lá-dá-cá”.

 

O infeliz que se mete numa dessas, jamais terá sossego espiritual, afinal sua alma foi vendida e, como se sabe, espírito e alma são a mesma coisa, ou quase a mesma coisa, já que dizem alguns ser a alma, na verdade, o invólucro do espírito. Tanto faz; o que interessa é que, em razão dessa venda, homens aparentemente bons tornam-se marionetes nas mãos de outros. Imagino que seja uma situação desconfortável, extremamente constrangedora.

 

Essa exploração psicológica é fruto da arraigada mania que tem o brasileiro de se dar bem em tudo. O sujeito, muitas vezes, não mede conseqüências para conseguir os objetivos do mundo capitalista: ser bem sucedido financeiramente. Não é tão difícil assim detectar uma pessoa que teve a alma comprada. De repente, não mais que de repente, o cidadão aparece com uma casa novinha em folha, com um carrão na garagem, compra imóveis a torto e a direito, a mulher passa a usar jóias caras etc. De pobretão insólito, passa a novo-rico chato, da noite pro dia.

 

Alguns, mais inteligentes, demoram a ser percebidos, escondendo o patrimônio, colocando-o em nome dos filhos, comprando em outras praças. Esses ainda mantêm, por um tempo, o ar de quem ainda trazem um espírito. Com um olhar um pouco mais detido, é possível perceber que os seus corpos estão vazios, não possuem alma dentro deles. 

 

Esses morto-vivos somente existem pelo simples fato de que também existem os compradores. E o potencial comprador é aquele que tem interesse em utilizar um sem-alma nas suas transações escusas, visto serem de extrema importância estratégica em diversas áreas da atividade humana. E a principal delas, como não poderia deixar de ser, é a política. É aqui onde os homens exercem, com mais entusiasmo, a leviana arte da enganação. Ter um sem-alma à disposição é de grande valia para aqueles que exercem algum tipo de Poder. Ele é capaz de intermediar negócios, abrir contas fantasmas e atuar como “laranja” nas mais diversas ocasiões. Poderá, ainda, exercer a imprescindível função de chantageador ou, até, de mandatário do comprador de almas, podendo adquiri-las de terceiros, em nome e a favor de seu patrão.

 

É um comércio que tem crescido bastante nos últimos tempos, até mesmo devido a situação de penúria econômica vivida no país. A grande vantagem de ser um sem-alma é que não se exige qualificação; não há necessidade de possuir mestrado, doutorado ou ser poliglota. Basta – e esse é um requisito essencial – que não tenha vergonha na cara e não seja dado a remorsos ou crises de depressão. Como o sertanejo de Euclides da Cunha, o sem-alma deve ser, antes de tudo, um forte.

 

Com o tempo, é natural que esse tipo de gente vá perdendo cada vez mais a consciência, cometendo os mais abomináveis atos torpes. Gradativamente, arrefece-lhe o medo. É esse o momento em que corre maior perigo, pois a coragem traz consigo o descuido, fazendo-o cometer erros. E um erro do sem-alma é imperdoável. Na melhor das hipóteses, é abandonado pelo seu comprador, que a essa altura já possui incontáveis provas contra o pobre coitado e exige que este permaneça calado até o túmulo, sob pena de ter o seu destino abreviado. Em outros casos, quando a situação aperta, vai parar mesmo é no xadrez. Lá, costuma perder também o corpo, através de suicídios duvidosos.

 

Mas existem os desprovidos de alma que permanecem intactos durante toda a vida, pois o que mais incentiva essa comercialização espiritual é exatamente a impunidade. E esse tráfico de consciência é prática cada vez mais comum e dificílima de ser combatida, tendo em vista que muitos dos que deveriam coibi-la são, justamente, os sem-alma mais caros do mercado.

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.

 

       

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