Homens e cachorros

 

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*  

 

28/11/2005

 

 

Sei que me acusarão de “politicamente incorreto”, esta famigerada frase que virou moda. Basta ser contra o que a maioria acredita para ser apontado no meio da rua. Mas eu não posso deixar de dizer que sinto verdadeira ojeriza e náusea quando converso com esses defensores fanáticos dos animais. São tão chatos quanto os defensores radicais dos direitos humanos. Os primeiros tratam cachorros e outros bichos como se fosse gente, perfumando-os, colocando lacinhos e gravatas, vestindo-os com camisas e casacos, fazendo suas unhas, cortando e lustrando seus pêlos, alimentado-os com comidas especiais e até celebram casamentos, velórios e enterros em cemitérios próprios. Os segundos tratam bandidos irrecuperáveis e outros monstros da humanidade como se fossem, de fato, gente.

 

Muitas “celebridades notáveis” emprestam sua imagem para defender os pobres animaizinhos. A carioca Vera Loyola ficou famosa por promover festas homéricas para sua cachorrinha, oportunidade em que todas as madames se reúnem para paparicar seus cães. Talvez fosse mais adequado, do ponto de vista social, se resolvessem adotar crianças abandonadas, que sequer têm o que comer. Preferem gastar seu dinheiro com esse tipo de futilidade.

 

Claro que entendo que os animais são importantes; até para a vida dos seres humanos. Mas cachorro deveria viver como cachorro e gente, como gente. É ridículo observar que num país onde milhares de pessoas passam fome, existem ricos exibicionistas tratando seus animais com o maior conforto e dedicação, mas são incapazes de estender a mão para um de sua raça. O cachorro é o animal disparadamente mais bem tratado: é o “melhor amigo do homem”. Aliás, esta é uma frase que incomoda. O sujeito, quando na impossibilidade de fazer de outro da sua espécie o grande amigo, prefere dizer que somente o cão é digno de tal confiança. Óbvio, ele não fala, não contesta, não vota, não é adepto de qualquer religião e até aceita ser espancado quando o dono assim deseja e, logo depois, volta abanando o rabo de felicidade. Por outro lado, é preciso admitir que existem alguns caninos bem mais humanos do que muitos marmanjos por aí, como já vaticinava o ex-ministro Rogério Magri, para quem “cachorro também é gente”.

 

Apenas para ilustrar, cito aqui o saudoso dianopolino Alano, que em vida sempre foi bonachão e carismático. Ele detestava fogos de artifício, e quando era surpreendido com o barulho de foguetes, dizia com seu humor peculiar: “na encarnação passada, com certeza fui cachorro”.  

 

Em muitos aspectos, homens e cães se igualam. Em termos de fidelidade, por exemplo, não há como negar que o cachorro, em algumas ocasiões, até supera o ser humano.  Esses animais também não costumam embolsar ou desviar o dinheiro público; nem têm como hábito cometer homicídio ou, no caso deles, cachorricídio (a não ser o pit bull). Mas tudo isso não justifica o tratamento que é dispensado a alguns cachorrinhos de estimação. Existem pessoas incapazes de dar carinho a outro ser humano, mas derrete-se de mimos por seu bichinho. Para irmos ao extremo, pode-se falar da zoofilia erótica, situação em que alguns preferem manter relações sexuais com seu cachorro ou sua cadela. É a velha e boa promiscuidade, presente também nas relações humano-caninas.

 

Até entendo que as pessoas possam gostar de criar animais e devem, mesmo, criá-los.  Só acho que o tratamento a eles dispensado deve estar dentro de uma perspectiva racional, como humanos que somos. Com o perdão do trocadilho e da ofensa, quem trata o cão com mais dignidade do que trataria o semelhante é um cachorro.

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado.

 

 

       

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