Mais bibliotecas e menos igrejas
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
07/07/2007
Quando fui morar em Anápolis, em 1992, o que mais me chamou a atenção foi o grande número de igrejas. É quase uma por esquina, numa nítida maioria evangélica. Em casa éramos incomodados todas as noites com os cânticos, sessões de descarrego e outras providências que normalmente são tomadas nesses locais.
A cidade de Palmas está seguindo pelo mesmo caminho. E de acordo com as últimas notícias, está sendo descumprido o Plano Diretor, pois as frentes das quadras estão sendo “ornamentadas” com igrejas e templos dos mais diversos credos, para satisfazer o gosto de todos os tipos de fiéis. Em Anápolis é comum encontrarmos pessoas com a Bíblia debaixo do braço, pregando nas esquinas, nas praças e até nos ônibus, prometendo o Paraíso e a salvação aos crentes e o inferno aos hereges.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, VIII, ensina que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta...”. Ou seja, o sujeito pode acreditar no que melhor lhe aprouver, desde que não utilize tal crença para se esquivar das obrigações legais, como votar, por exemplo. Embora a Constituição não diga expressamente e invoque o nome de Deus em seu preâmbulo, ela também protege os que em nada acreditam, pois o Brasil é um país laico, não havendo uma religião oficial, embora haja muitos feriados em homenagem a santos católicos.
Sinceramente, fico preocupado quando o número de igrejas aumenta assim, vertiginosamente. Sem hipocrisia, seria muito mais interessante se construíssem bibliotecas nas quadras palmenses, em vez de igrejas. Estas alienam, aquelas instruem. Uma das imagens que tenho de Anápolis é a de um batalhão sincronizado de pessoas subindo a rua da minha casa, parecendo robôs, semblantes lívidos e compenetrados, todas em direção a alguma igreja. O problema é o fanatismo que alguns desenvolvem por conta das religiões. Para esses, quem não freqüenta igrejas é considerado herege, desajustado, anarquista, revolucionário ou ateu.
As religiões, paradoxalmente, da mesma forma que têm contribuído para a manutenção da paz social, têm sido motivo de guerras e atrocidades ao longo da história da humanidade. Karl Marx dizia que “a religião é o ópio do povo”. De fato, são muitos os que ficam inebriados com o clima hipnótico causado por ela. Para alguns, como o jornalista inglês Christopher Hitchens, “a religião retardou o desenvolvimento da civilização”.
Em que pese o que foi dito pelo citado jornalista, na pior das hipóteses é preferível um sujeito mansinho, com a Bíblia debaixo do braço, do que praticando crimes por aí. Mas a educação pode proporcionar o mesmo benefício, sem alienação e sem fanatismo. A ética, a moral e os bons costumes também são possíveis através do crescimento intelectual e filosófico. Na minha opinião, o excesso de construção de igrejas nas quadras de Palmas, além de descumprir o Plano Diretor, transforma as pessoas em robôs. Bibliotecas são bem mais democráticas, já que no seu interior pode-se ler tanto a Bíblia como o Alcorão. As religiões, ao contrário, costumam proibir a leitura de livros que destoem de seus interesses.
Palmas se transformaria numa cidade ainda mais agradável se diminuísse a construção de igrejas e aumentasse a de bibliotecas. A imagem de um sujeito lendo um livro de Machado de Assis, parado num ponto de ônibus, passa a impressão de civilidade e cultura. O mesmo sujeito, lendo a Bíblia, passa a impressão de fé e também de cultura, mas quem não consegue se desvencilhar das amarras da crença burra limita o seu campo de idéias, restringe a possibilidade de novos conhecimentos e tende a ser passivo, a não contestar, a aceitar com subserviência tudo que lhe é imposto.
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras.