A grande promessa.
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
04/05/2008
As três grandes religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, trazem algo em comum: todas possuem um Deus único e têm Abraão como patriarca. E cada uma dessas religiões tem o seu Deus: o dos judeus é Javé, aquele do Antigo Testamento; o dos cristãos também. O dos muçulmanos é Alá, aquele do Corão (ou Alcorão). Os seus líderes são, respectivamente, Moisés, Jesus e Maomé. Aprendemos desde cedo que Deus é um só, embora as religiões acreditem no seu próprio. E cada uma diz que o verdadeiro é o seu; os outros são lenda.
Jesus Cristo, o grande líder dos cristãos, intitulado “Filho de Deus”, apesar de ter sido judeu, não goza de credibilidade perante aquele povo, já que até hoje eles aguardam o “Messias”, ou seja, qualquer dia desses aparece alguém aí se dizendo o verdadeiro filho do Criador, com cobertura ao vivo pela TV. Eu também não acredito que Jesus tenha sido filho daquele Deus do Antigo Testamento. Ele (Cristo) era muito bom, pessoa íntegra, grande caráter; não poderia mesmo ser filho daquele Senhor cruel e ciumento. E dizem que Jesus nasceu de uma mulher virgem. Os católicos, para complicar mais ainda, falam da Santíssima Trindade, isto é, pai, filho e espírito santo sendo um só.
Como se vê, a coisa é complexa. E haja fé. É muita confusão e divergências de toda espécie. Como se não bastasse, o Cristianismo sofreu grande dissidência, e tem aqueles que não acreditam na santidade de Maria, mãe de Jesus, e nem nos santos dos católicos. Cada um defende sua bandeira, vendendo aos fiéis todo tipo de promessa. Aliás, as religiões sobrevivem do que prometem, daquilo que faz parte do sobrenatural, do que não se consegue ver nem provar. Não resta alternativa: ou se acredita ou será tido como herege ou ateu.
Os livros dessas religiões são encarados como código moral, exemplos a serem seguidos durante a vida. Paradoxalmente, são nesses livros (Torá, Bíblia e Corão), onde se encontram as maiores crueldades da literatura mundial. Ali se mata, se estupra, se esquarteja e se mutila com facilidades nunca antes vistas. E há todo tipo de excrescência, desde incestos a pedofilia, traições e sodomias. Não era de se esperar que em tais livros que se pretendem moralmente infalíveis fossem descritos tamanhos horrores. O cristão que tiver a curiosidade de ler o Antigo Testamento ficará chocado, impressionado com tanta carnificina. Talvez seja por isso que a Bíblia, em que pese ser o livro mais vendido de todos os tempos, é também o menos lido. As religiões não incentivam a sua leitura, a não ser que exista um padre ou pastor para servir de intérprete das passagens e – o mais importante – escolher o que deve ser lido, quais os trechos convenientes. Ler a Bíblia sozinho, aos olhos dos religiosos, é uma imprudência, afinal pode-se descobrir muitas “verdades” embaraçosas.
Mas o grande argumento de todas as religiões, o grande atrativo, a grande promessa é, sem dúvida, a vida eterna. Sem isso, talvez elas não teriam prosperado. O Judaísmo promete a continuação desta vida; o Cristianismo traz o Paraíso como a grande conquista e o Islamismo promete várias virgens para o deleite do crente, que terá a vida eterna para satisfazer suas necessidades libidinosas, que são rigorosamente proibidas aqui na Terra. É difícil não se aderir a uma religião, principalmente porque ninguém quer morrer e se acabar ali mesmo, no barro, a sete palmos. A morte é a grande motivadora das religiões.
Por outro lado, os crentes morrem de medo de morrer. Não deveria ser exatamente o oposto? Se se acredita na vida eterna, por que o medo da morte? Ao contrário, deveria ser um momento muitíssimo esperado, aguardado com ansiedade e comemorado por todos os familiares e amigos, afinal é a oportunidade que se tem de encontrar com Deus, com os anjos e com os entes queridos que partiram mais cedo. Muitos dizem que têm medo apenas da dor, do ato de morrer. Mas o que é isso diante da promessa de vida eterna? Morrer é algo que inspira medo e, certamente, muitas dúvidas. Tenho para mim que esse medo da morte é, na verdade, o resultado das incertezas que as pessoas trazem no íntimo. Vai que o sujeito morre e não exista um Deus lhe aguardando? E se não existir Paraíso? E as virgens? E se tudo se acabar ali mesmo? Portanto, é bem melhor esticar ao máximo a vida e aproveitá-la como nunca. É melhor não arriscar.
Acho que as pessoas se preocupam demasiadamente com o ato de morrer, quando o foco deveria estar no de viver. E também acho que a compaixão, o afeto e o respeito mútuo são necessários e não dependem das religiões para existir. Ser bom é um ato de sobrevivência e de convicção. O bem atrai o bem e, por conseguinte, aumenta a expectativa de vida. Muitos religiosos fazem o bem em troca de uma recompensa: a vida eterna; praticam-no apenas para fazer média com o seu Deus. Menos mal, visto que estão fazendo algo de bom. Contudo, ao invés de se preocuparem com o Paraíso post mortem, deveriam se preocupar em concretizá-lo aqui mesmo, enquanto se está vivo e têm certeza disso. Vida eterna é tudo o que se deseja, mas esse desejo não garante sua existência. De qualquer forma, não há como negar que o marketing das religiões é fortíssimo, já que ninguém quer morrer. E elas se sentem seguras com essa promessa, afinal se não existir vida eterna o crente não terá como voltar para reclamar, pois a essa altura já terá morrido. Aguardemos sem pressa o momento de tal constatação. Enquanto isso, viva com intensidade esta vida, pois como ensina o adágio popular, “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”.
O Deus de Abraão, no meu entender, é criação do homem. O meu Deus é o Deus dos deístas, que criou o Universo, eu, você e Darwin, que não interfere em minhas decisões e que não faz chantagem prometendo o inferno e nem me castiga por tudo. O meu Deus valoriza a razão e apóia o conhecimento. Essa Força Superior está muito acima de todas essas questiúnculas aqui da Terra, dessas intrigas e desses interesses defendidos pelas inúmeras seitas e religiões, que vendem o seu peixe com promessas improváveis.
Os ensinamentos de Cristo são maravilhosos e devem servir de norte para nossa vida. Mas não sou obrigado a acreditar que ele seja o filho daquele Deus de Abraão, embora os evangelistas tenham dito que foi o próprio Jesus quem disse isso. Não acredito nos evangelistas, assim como não acredito que estejamos sozinhos no Universo. Esse Ser Supremo deve ter mais coisas com que se preocupar, do que ficar me vigiando o tempo todo, anotando numa caderneta os meus eventuais pecados. Sou muito grato com o que já tenho: a vida. Se existir a eternidade para eu usufruir, considero isso um grande bônus. Porém, se a vida se acabar com a morte, ainda assim, sou grato por ter vivido. Por que essa vida ad aeternum não pode ser estendida através de meu filho, meu neto, bisneto, trineto e as gerações vindouras? O grande exemplo de Cristo foi sua própria vida e o Cristianismo apenas se apossou da história desse Grande Homem para monopolizar a fé das pessoas. Cristo não criou religião alguma, ele apenas nos mostrou que viver com bondade e verdade vale a pena. O resto é metáfora.
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras.