A partícula de Deus
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
24/08/2008
João Hélio e Isabela Nardoni se tornaram ícones de uma sociedade desajustada. O primeiro, para quem não se lembra, é aquele menino que foi arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro, durante sete quilômetros, preso ao cinto de segurança de um carro guiado por bandidos. Com relação a Isabela, ainda sentimos o impacto de sua queda, quando foi atirada (segundo os indícios, pelo pai e a madrasta) da janela de um apartamento. E são muitas as crianças vítimas de violência, cometida todos os dias pelos rincões do Brasil e do mundo.
Procurar explicações para tentar entender a atitude de seres humanos que são capazes de cometer tamanhas atrocidades é inútil. Nunca obteremos uma resposta satisfatória. O argumento mais lógico é imaginar que se trata de loucos ou débeis mentais. Porém, ao serem submetidos a exames de sanidade, descobre-se, quase sempre, que são pessoas “normais”. Ao menos dentro do que se considera normal em nossa sociedade.
Nesses momentos, a inevitável pergunta sempre surge: e onde estava Deus nessa hora? De minha parte, acho injusto reclamar a presença divina para todos os nossos infortúnios. Sou da opinião de que Deus deve ter mais o que fazer do que ficar preocupado com nossa vidinha medíocre. Agora mesmo, a comunidade científica estará atenta ao funcionamento de uma máquina, chamada LHC, que será ligada em outubro, e na qual se reproduzirá, em escalas menores, o conhecido “Big Bang”, fenômeno explosivo que teria dado origem ao universo. Com a tal geringonça em atividade, o choque de prótons a uma velocidade compatível à da luz, faria aparecer partículas que teriam sido liberadas no momento da explosão inicial.
Uma dessas partículas, “bóson de Higgs” (em homenagem ao físico inglês Peter Higgs, que é o autor da tese) poderá, pela primeira vez, ser visível ao olho humano. Segundo as previsões mais otimistas, com um ano de funcionamento da máquina (LHC), será possível enxergar a tal partícula, se de fato existir. Para se ter uma idéia, segundo a maioria dos cientistas, ela é tão importante que seria a responsável por toda a matéria presente no universo. Ou seja, tudo o que conhecemos é fruto da influência do bóson de Higgs. Não é à toa que ela é denominada no meio científico como “a partícula de Deus”, ou “singularidade”, uma vez que estaria na base da origem universal.
A partir de outubro, os olhos do mundo estarão voltados para uma região que fica entre a França e a Suíça, local onde está submerso o LHC, com 27 quilômetros de circunferência. Se a tal partícula de Higgs existir, a teoria do Big Bang será confirmada. E aí? Como ficarão as teses religiosas que explicam o criacionismo? Segundo alguns cientistas, jamais a fé das pessoas será afetada, pois é natural que o homem sinta necessidade de acreditar em um “algo mais”. E muitos, certamente, acreditarão que o Big Bang foi obra de Deus. Por que não? E aos religiosos ainda resta o argumento de que Deus teria criado a partícula de Higgs. O incômodo é ter de admitir que a ciência estava certa quanto à teoria da explosão que teria dado origem ao universo. Sendo assim, Deus só poderia ter criado o homem depois disso, pois antes nada existia. Mas se Deus foi o causador do Big Bang, por óbvio Ele já existia antes dele, daí não se poder admitir um nada anterior. Neste ponto, voltaríamos ao marco zero: quem teria criado Deus? Mas como Deus poderia ter sido criado se muitos acreditam que ele é o Criador?
O fato é que, como para se acreditar em Deus necessita-se apenas de fé, Ele sempre existirá, com ou sem Big Bang. Basta acreditar nisso e não fazer muitos questionamentos. Mas é preciso admitir que, caso a teoria da explosão inicial seja confirmada, o mundo religioso ficará sacudido. Ter que dividir a criação do universo com uma tese científica não estava nos planos de nenhum padre, pastor ou rabino. O livro de Gênesis começa com a seguinte frase: “No princípio Deus criou o céu e a terra”. A partir de outubro poderemos ficar sabendo que esse “princípio” se deu após uma explosão, e ela não está prevista nas Escrituras Sagradas. Além do mais, o princípio bíblico não poderia ser considerado o verdadeiro início de tudo, já que foi precedido por acontecimento diverso.
Por outro lado, se a explosão original não for comprovada, as teses religiosas ganharão força. Alguns cientistas até preferem que a tal partícula não exista, pois isso será, nas palavras deles, “mais excitante”, já que alguma coisa haverá no lugar dela. Essa “coisa”, se existir, somente poderá ser conhecida a partir de outubro. Eu, particularmente, aguardo ansioso por tal momento, afinal estamos prestes a começar a descobrir se era possível o comparecimento de Deus no instante em que João Hélio, Isabela Nardoni e outros desafortunados pelo mundo afora vieram a ser sacrificados. Uma coisa é certa: Ele estará sempre presente na cabeça dos que acreditam em sua existência. Mas inevitavelmente um ruído incômodo repercutirá por todas as igrejas, templos, sinagogas e mesquitas, como um sino que insiste em não parar de tocar: big bang... big bang... big bang... big bang...
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras.